A tecnologia, como sabemos, evoluiu muito nos últimos 25 anos e originou coisas absolutamente impensáveis para muitos de nós.
Na minha infância, brincava com os meus amigos, fazendo “telefones sem fios” com dois copos de iogurte ligados por um fio de pesca. Era uma inovação, pois o telemóvel era um objeto de um futuro que, provavelmente, jamais alcançaríamos. O certo é que, no início da idade adulta, o futuro chegou mesmo e os telemóveis massificaram-se.
Numa fase inicial serviam apenas para fazer chamadas, porque não era possível enviar mensagens escritas. Mais tarde passou a ser possível enviar essas mesmas mensagens, desde que fossem para pessoas clientes da mesma operadora.
Poder enviar mensagens escritas para amigos de qualquer operadora móvel foi o início do mundo que todos conhecemos.
Vieram as câmaras fotográficas, a internet, as redes sociais e tudo mais que já sabemos, mas é a captação de imagens o ponto principal da crónica que hoje vos trago. A existência de máquinas fotográficas nos telemóveis será, para muitos, uma das maiores e mais úteis evoluções tecnológicas. Sou obrigado a concordar, não nego.
O problema, no entanto, acaba por esgotar-se sempre no mesmo, ou seja, no uso positivo ou negativo que damos àquilo que temos ao nosso dispor.
Neste caso específico, julgo que as câmaras fotográficas vieram roubar às pessoas a única coisa pela qual a vida existe, que é, precisamente, a possibilidade de vivê-la. E quando falo de viver, falo da intensidade e da entrega absoluta a todos os momentos da vida.
Hoje queremos fotografar tudo. Filmar tudo. Registar tudo.
Para quê? Para quem?
Fotografamos o amor, o mar ao entardecer, os filhos, tal como sempre fizemos e, felizmente, isso não mudou.
O que mudou foi a obsessão que temos em relação a tudo o resto.
Cada vez mais se torna difícil usufruir, com qualidade, de um jantar entre amigos ou em família num bom restaurante ou em casa num qualquer almoço de domingo. Queremos fotografar quem está connosco à mesa, o jarro da sangria, o vinho caro, o prato composto ou a sobremesa requintada. Partilhamos em direto, cabeças baixas, dentro do telemóvel, longe dos que estão ao nosso lado.
Já nos concertos, as pessoas não olham para o palco que tem várias dezenas de metros e concentram-se no telemóvel que tem apenas alguns centímetros.
Filmam o espetáculo com maestria, para não ficar tremido nem desenquadrado.
Não saltam, não gritam, não cantam.
Estão focadas em gravar um concerto que não estão a viver, numa esperança vã de que um dia irão assistir ao mesmo, com péssima qualidade de som e imagem, sentados no sofá lá de casa. Mas esse dia nunca chegará porque já lá estivemos e outras prioridades surgirão.
Para quem tem filhos, o importante é registar as primeiras palavras, os primeiros passos, a primeira gargalhada.
E nessa ânsia esquecemo-nos de viver o momento, de senti-lo sem a preocupação ou o peso na consciência de não ter ficado gravado para a posteridade.
Queremos eternizar os lugares que visitamos, as pessoas com que nos cruzamos, os locais onde comemos, mas não eternizamos mais do que isso, porque estamos a esquecer-nos de usufruir.
Bem sei que recordar é viver.
Todavia, julgo que, acima de tudo, viver é que é viver.
Afinal, que acervo queremos deixar? O das vivências ou o fotográfico?
Acreditem, ninguém irá abrir um museu com o que vocês guardam no telemóvel ou no computador.
Um dia vocês terão 80 anos e o que sobrará serão gigas e gigas de memórias nenhumas.