Palavras

A linguagem é como os armários grandes, guardam em si tantas roupas e vestimentas que, por vezes, se torna complicado escolher o que vestir. Quem diz vestir, diz usar as ditas em dias certos, de parceria com outras.

São desafiantes e nem sempre fazem par para se usar com segurança e elegância. Há as que são finas e chiques e as outras, ordinárias e vulgares, as que sobressaem e as que chocam.

São livres e essa liberdade dá-lhes asas para irem onde quiserem. Voam e voltam. São elas que, carregando as memórias leves e pesadas, têm reposta para os chamamentos de aflição.

Umas vezes regressam, frescas e recompostas com novas roupagens e linguagem inovadora. Brilham num escuro escondido e sacodem um bafio nervoso de saltitar. Florescem.

Outras vezes são vadias, bandidas e proscritas num meio de pseudointelectuais. Munem-se de uma roupagem indecente que vão, com um propósito manhoso, despindo aos poucos e poucos até que a nudez seja visível.

Nem toda a nudez será castigada, poderá ser recompensada e esta pureza de usar todos os vocábulos puros, será tão gratificante quanto o véu de tule e cambraia, esvoaçando pelos ares, saiba tapar a decência de escrever.

Há uma certa intimidade com as palavras, com as suas confidências e desabafos. Há que as saber ouvir, com um apurado rigor musical, de modo a serem entendidas e libertas do jugo da excitação momentânea.

Saber quem são, ouvir-lhes a vívida história de família, a genealogia de raiz, é criar laços fortes e tão poderosos que os ancestrais transitam, de imediato, até ao patamar da amizade.

Então, como se ganhassem vida própria, bem encoberta, escondida com uma pueril timidez, sussurram ao ouvido que querem ser escritas para que a leitura seja digna e satisfatória.

Curiosas, astutas, brejeiras e adúlteras, atiram-se sem medos até os alvos acertarem. Não há esquerda nem direita, há somente termos que navegam em textos repletos de ousadia e um exaltado ardor.

Navegam em universos estranhos e ferem em sangue vivo e doloroso até que a ferida grite o estoque final. Sem escudos nem capas, têm os elmos lubrificados com rigor.

Flutuam em quasares de alegria, doçura e tons de algodão-doce apaixonado e leve. São todas noivas que se entregam a príncipes garbosos e loucos de paixão. Beijam-se até ao êxtase.

Criam ligações fortes, ou fracas e códigos de conduta. Estabelecem namoros e sonhos que, quando não concretizados, se irritam bradando impropérios deselegantes e ofensivos. Usam chapéu, touca, bivaque ou totós, mas nunca se esquivam de gargalhar em tom sonoro.

Quem nunca teve um arrufo com as palavras, quem nunca errou por desconhecer o sentido, quem nunca as escreveu por inaptidão, é um tolo e analfabeto gráfico, sem poder ascender a um pódio de ódio supremacista.

Quem nunca amou por ignorância, que se trate para, muito breve, ser o alvo preferido de quem nunca soube pegar numa palavra com carinho e ardor. Palavre-se, já!

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