É urgente conhecer a Costa Alentejana, com todas as suas arrábidas, as suas praias de água atlântica, o seu sol rejuvenescedor e as suas paisagens pejadas verdejantes em terreno franco-arenoso.
No entanto, ainda é mais urgente salvaguardar esta paisagem, salvaguardar aquilo que é nosso e é bom. É urgente um grito: “Aqui vou eu pela Costa, aqui vou eu cheio de pica!”
[su_note note_color=”#f2edec” text_color=”#fffffff”]Percurso do Sardão Bicicleta, caminhada Entre Cabo do Sardão e Zambujeira do Mar 10,5 km (pequeno percurso) 65 km (percurso integro) Acesso pela N120 Dificuldade: média-avançada[/su_note]Quem bem sabe apreciar aquilo que de melhor o nosso país tem para oferecer, não descura com toda a certeza a beleza natural da costa Alentejana. É, realmente um deleite descer por ela, passando a Sines, Porto-Covo, Vila-Nova-de-Mil-Fontes e Zambujeira do Mar! Percorrendo a pé, de bicicleta ou de carro é impressionante a forma como somos presenteados com a paisagem marítima, desenhada pelo próprio fustigar das ondas e marés milenares, em contraste com a floresta de medronheiros, samoucos, sobreiros e pinheiros mansos – acompanhados de oliveiras como lembrete (Olha que ainda estás na terra dos chaparros!).
Uma agradável surpresa, desse leque de mil maravilhas que o sudoeste alentejano nos oferece, é o Percurso do Sardão, perto de Zambujeira do Mar.
Aconteceu-me, por mero acaso decidir visitar o Cabo do Sardão, ponto sudoeste alentejano com uma vista de imensidão atlântica que nos beija lembrando-nos que o nosso mundo se estende pela vastidão dos oceanos, lembrando-nos que somos pequeninos mas sortudos pela ocasião de conseguirmos ver, observar, aprender e alimentar-nos da beleza das coisas.
Eis que, ao visitar o farol me deparo com uma série de trilhos que se estendem à direita e esquerda, delimitados por estacas baixas, corredores feitos de terra arenosa batida, ideais para percorrer a pé ou de bicicleta. Porque não?
E então eis que me vejo a seguir essas setas maravilhosas, chaves para um mundo natural fantástico da zona “entre-marés” onde podemos observar a fauna marítima que reside nas rochas, dos voos dos morcegos em bandos, ao por do sol e das lindas praias secretas escondidas nas enseadas.
A primeira coisa que nos “derrota” é a maresia junta com o cheiro das plantas costeiras. Odor que nos invade pulmões e espírito, imprimindo a imagem sensorial de um dia memorável. Depois vêm as cores, o vermelho e branco do farol do Sardão, com o amarelo do sol, da terra que pisamos e o azul do mar. O verde da vida é a pontuação final, o golpe que deixa por terra todas as barreiras que erigimos nas nossas cidades branco/cinzentas de concreto e asfalto.
De vez em quando é bom parar, respirar e viver a natureza!
Durante o percurso, podemos ler os infográficos que nos guiam, naturalmente apontando aqueles pormenores da fauna, flora e paisagem que passam desapercebidos aos olhares mais leigos, mas mesmo sem os ler apreciar este passeio é, só por si, uma experiência transformadora e refrescante.
No fim do percurso, estamos bem perto da vila alentejana mais conhecida pela realização de um festival de verão, mas curiosamente este ano estará um pouco mais despida devido ao cancelamento da edição 2020… mas que a torna quiçá um destino ainda mais sedutor ao turista familiar, aquele que procura mais descanso, mais gastronomia, mais sol demorado e relaxamento. É aqui que se pode aproveitar para almoçar e foi o que decidi fazer, pois não há nada que abra o apetite tanto como caminhar beira-mar por cerca de onze quilómetros.
Eis que sou confrontado com uma nova realidade, que já conhecia, mas que porventura ignorava na sua grandeza – um “mar de plástico”, vulgo, um mar de estufas. São às centenas, naquilo que já é chamado um sobrepovoamento. Em plena reserva natural, umas a seguir às outras sucedem-se como casernas dos soldados em terreno bélico.
Estas construções têm vindo a proliferar em plena reserva natural, usando os seus recursos – especialmente a água – e danificando tanto ecossistemas, como o próprio valor da paisagem, como o eventual interesse que tem a sua visitação.
Uma rápida pesquisa remeteu-me para uma decisão relativa ao perímetro de rega do rio Mira, que prevê a permissão de triplicar a área coberta por plástico dentro da Reserva Natural… esta decisão tem causado séria preocupação nas populações costeiras, levantando-se o movimento “Juntos pelo Sudoeste” na defesa ambiental do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. As principais preocupações, para além das óbvias são também a descaracterização do parque e o alojamento de cerca de trinta e seis mil pessoas (trabalhadores imigrantes) para uma área que não está de todo preparada/pensada para esta densidade populacional.
Eu por meu lado constatei que entre São Teotónio e Zambujeira do Mar já conseguimos encontrar um restaurante “Thai” e uma loja de produtos indianos…
Não deixamos de nos espantar, qual pandemia atroz que se abateu e levou a tão drástico decaimento deste tesouro natural alentejano. Quem deixaria algo assim acontecer? Quem continua a deixar ocorrer a proliferação destes empreendimentos?
Onde e como estará a costa alentejana em vinte anos? Será que os morcegos ainda voarão ao entardecer? Será que ainda se respirará a maresia?
Que será de percursos como o percurso do Sardão que tanto me comoveu?
Quando o Alentejo deixar de ser Alentejo para ser apenas substrato a todas as modas, todas as variações de interesses, quando a paisagem se mutar ao ponto de não lhe reconhecermos feição… É urgente ir à Costa Alentejana, é urgente fazer o percurso do Sardão, é urgente memórias construídas e relações criadas com esta preciosidade inigualável.
Que se leve bloco de notas, calçado confortável, binóculos, câmara fotográfica e muita curiosidade. Que se leve apetite para degustar pratos maravilhosos e ver aquelas casas lindas azul/brancas. Que se leve simpatia para receber o calor das pessoas boas que ali vivem. E que se vá!
Quando o Alentejo se for, como assinarei eu estes breves textos?…
Assim é, no Alentejo?!