Formoso — de forma ou aparência agradável, bela, bem-feita.
Desde que nasci que me deparo com mulheres que mais se parecem semideusas nos meios de comunicação — sem uma falha, sem uma cicatriz, sem um pingo de gordura no corpo — como, por exemplo, as várias Vénus (deusas do amor) representadas nos famosos anúncios da Gilette.
As formas curvilíneas da mulher, com peitos e ancas arredondadas — sugerem o corpo ideal para formar e carregar vida humana, um veículo aprimorado durante a evolução da nossa espécie. Contudo e as coxas largas para carregar as barrigas pesadas e a gordura na barriga para proteção do feto? Não fazem parte da mesma constituição, perfeita como toda a natureza? O que aconteceu para algumas destas características continuarem a ser vistas de bom grado e outras não?
Desde 1600 que o corpo considerado ‘ideal’ tem sofrido alterações devido a influências da arte, literatura, e também estilo de vida. Por volta de 1800, vários artistas como Monet e Renoir começaram a retratar mulheres com menos curvas do que o arquétipo grego, romano e egípcio com formas avultadas e curvilíneas. Creio que esta representação era fundamentada na sua realidade, resultado de um estilo de vida que facilitava manter uma forma delgada.
Muitos historiadores dizem que no início do século XX surgiu a inclinação para corpos ainda mais jovens e atléticos. A maioria, não sabe explicar porquê… Pessoalmente, vejo três fatores na raiz desta nova cultura de adoração da magreza: o pós-Segunda Guerra Mundial, o surgimento da fast-food e a revolução industrial.
O pós-guerra dos anos 40 veio deixar um espaço por preencher na economia Mundial. A Califórnia estava no centro de uma indústria que, após apoiar a guerra com tanques e munições, começou a produzir fertilizante, que levou a um excesso na produção de milho, que por sua vez levou a uma explosão de gado que tinha de ser abatido. Assim, perfeitamente posicionadas para ganharem vantagem no estado de sítio em que se encontrava o mundo, surgiram as cadeias de comida fast-food no início do século XX — e o nosso célebre McDonald ‘s em 1940.
Por volta dos anos 50/60 os trabalhos de escritório sedentários provocaram um cocktail molotov (se me permite o eufemismo) de inatividade física e alimentação pouco nutritiva. A gordura excessiva rapidamente se tornou a consequência óbvia de um estilo de vida extremamente prejudicial à nossa saúde. Estilo de vida este que tornou o sonho americano numa abundância de doenças como ataques cardíacos, tromboses, diabetes, cancro, entre muitas outras.
A revolução industrial do início dos anos 80 veio fazer com que mais mulheres começassem a trabalhar e as cidades a aumentassem em população, o que significou mais bocas para alimentar, e todo um novo e acelerado processo de alimentação. Foi assim que, a meu ver, começou a epidemia de obesidade nos anos 80.
Qualquer pessoa que aparente ter gordura excessiva passou a ser vista como uma má influência nos seus próprios filhos. Tanto mães como pais aparentam transmitir alguns dos seus ‘maus hábitos’ para os seus filhos e alguma dificuldade de mobilidade e uma morte precoce — e ninguém quer colocar uma criança num meio perigoso para a sua saúde, certo? Cue in: o ódio por pessoas com excesso de peso. Sociedade hipócrita, que prefere não questionar o que uma mãe com distúrbios alimentares diferentes pode provocar num filho e todas as doenças associadas a uma dieta sub-nutritiva.
Como muita coisa neste mundo, excesso de algo provocou a reação contrária, estabelecendo então a noção do corpo ideal magro e curvilíneo — o corpo inacessível — com que todas sonhamos, e algumas pagam para ter. Lembra-se da imagem de Marilyn Monroe, das pin-up girls e das coelhinhas da Playboy? Historicamente, foi nesta época que a noção de curvas irrompeu a magreza extrema das passarelas, no entanto, nunca sem requerer cinturas extremamente estreitas. Apenas para ser esquecido poucos anos depois e ser substituído por uma ainda mais magra definição de beleza. Estes pequenos lapsos ocorrem ocasionalmente, exatamente da mesma forma que aconteceu recentemente com as famosas Kardashians, que já se encontram num processo de redução de curvatura!
Os meios de comunicação e o mundo capitalista onde vivemos não conseguem deixar passar a possibilidade de lucrar imensuravelmente, forçando assim o emagrecimento pago, com doenças como anorexia e bulimia a sustentar esta moda. O valor pago por cirurgias plásticas, liposucções, tratamentos não invasivos, roupa adelgaçante, comprimidos de perda de peso — tudo contribui para encher os bolsos de algumas pessoas, muito poderosas. Com a dificuldade em largar o vício do açúcar e do sal, do chocolate e da fast-food, muita gente recorreu a estes métodos inúteis (a vossa autora também!), caros e excessivos.
Imagine um mundo sem restaurantes de fast-food, sem chocolate ou qualquer tipo de açúcar à venda nos supermercados, sem tratamentos plásticos e tudo o que mencionei anteriormente! Sem ginásios, sem depilação, sem modelos da Victoria’s Secret (graças aos céus que essas mulheres podem finalmente comer!)… Seríamos novamente camponeses? A comer comida saudável diretamente da terra, a fazer exercício físico ao trabalhar para cultivar, crescer e colher esses mesmos alimentos. E o lucro dos gigantes? E as suas piscinas e jatos privados?
E nem me peçam para comentar o tamanho da roupa feminina… tamanhos que espero que muita gente já tenha percebido… são fluídos, sujeitos à vontade de quem lucra com as suas vendas.
E porque é esta conversa toda sobre o peso e a forma física sempre tão centrada no sexo feminino? Claramente como mães, cuidadoras, e como seres com uma empatia extremamente evoluída — as mulheres têm o poder de ditar o futuro deste mundo. Já começámos e não vamos parar — a passar uma mensagem de aceitação, de todos os corpos, de todas as origens, de todas as formas, jeitos e feitos. Onde está a originalidade, a beleza no único? O valor nas criações da natureza, todas elas necessárias?
Somos mulheres, somos Deusas, somos Vénus e Afrodite. Somos formosas, imperfeitas, e absolutamente divinas.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico.