A defesa (ou não) do aborto

O aborto é um dos temas mais complexos, polémicos e debatidos no mundo. Foi em 2007 que Portugal liberalizou a interrupção voluntária da gravidez. A sua legislação e a sua prática variaram ao longo do tempo. A verdade é que é um tema que engloba campos da ética, da moral, da medicina, do direito, da religião. Vamos recuar?

A história do aborto remonta à Antiguidade. Utilizavam-se determinadas ervas, objetos cortantes, recorria-se à pressão da zona abdominal, entre outras técnicas para pôr fim a esta prática. Em sociedades onde este ato não era tolerado, via-se o feto como um potencial herdeiro.  Os povos primitivos não viam o aborto como um ato criminoso, mas, quando o faziam, atribuíam punições severas. Embora fosse praticado em todo o mundo e fosse reprovado pela grande maioria das civilizações, teve como objetivo o controlo do aumento da população. Os primeiros defensores do aborto queriam proteger o ser, mas também a gestante e a sociedade. A Igreja Católica defende a vida humana, sendo que “o primeiro direito do ser humano é a sua vida”. Os Assírios puniam este ato de forma severa, aplicando pena de morte a quem o praticasse a mulheres que ainda não tivessem filhos. As mulheres que abortavam sem o consentimento dos maridos também eram punidas.

Com o surgimento do Cristianismo, a visão a respeito do aborto alterou-se: acreditava-se que o homem possuía uma alma imortal. Esta questão passou por duas correntes diferentes. Afirmava-se que o feto só adquiria alma no momento em que ele nascesse e fosse dado como findo o parto. Assumia-se que era através da respiração do recém-nascido que a alma entrava no corpo e afirmava-se, também, que o bebé recebia proteção divina desde o momento em que estivesse no ventre da sua mãe.

Nos séculos XVIII e XIX, vários médicos, o clero e reformadores sociais aprovaram leis que proibiam a prática do aborto sem qualquer exceção. Até ao século XVIII, o feto era visto como uma parte do corpo feminino e, apesar de se falar deste assunto, ainda era tido como tabu. A mulher estava associada à maternidade e o aborto acontecia em casos excecionais: prostituição, adultério e para salvar a vida da mãe. Com as descobertas científicas e conhecimentos médicos e a afirmação dos Estados Nacionais com a Revolução Francesa, a partir do século XVIII, o feto passa a ser visto como uma entidade autónoma.

Durante o século XIX e no início do século XX, o Estado reprime o aborto, devido à diminuição do número de nascimentos no início do século XX.  Começam a aparecer as primeiras legislações sobre o aborto. Este diminuiu com a difusão em grande escala dos preservativos masculinos na segunda metade do século XIX, na Europa. Neste período, a sua prática era bastante difundida em todas as classes sociais e o interesse masculino prevalecia. O aborto era feito por parteiras ou pelas próprias grávidas, o que poderia ser perigoso. E, de facto, muitas vezes não corria bem.

Na Grécia, não era considerado crime, mas era preciso o consentimento do marido ou do patrão, assim como o abandono de menores e o infanticídio. Em Roma, também não era considerado crime. Havia os que o condenavam e as razões não eram diretamente ao feto, mas sim em nome do bem comum, impiedade, ofensa aos deuses, à família, à natureza.

Nos anos 60, do século XX, surgiu o feminismo. Nos anos 70, na Europa, essa discussão torna-se acesa e ganha poder nas ruas. Países como França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Itália, Canadá e mais recentemente Portugal e Espanha, entre outros, liberaram a interrupção voluntária da gravidez por desejo da mulher.

Em Portugal, foi proibido até 1984. Após este ano, alterou-se a lei e o prazo para a interrupção da gravidez foi alargado. Atualmente, é permitido até às dezasseis semanas, em caso de violação ou crime. É permitida até às vinte e quatro semanas, em caso de malformação do feto, e em qualquer momento em caso de risco para a grávida.

Todos nós já ouvimos falar de histórias de aborto. Todas as mulheres estão sujeitas a isso – seja por consentimento ou de forma involuntária. Hoje em dia, ainda há zonas do globo onde esta prática é totalmente ilegal, sem qualquer exceção. Nos EUA, o aborto é legal há mais de 40 anos. O Presidente Donald Trump defende que as leis aplicadas ao aborto têm de mudar e manifestou o seu apoio à sua prática. É um tema complicado, que já vem de há muito tempo. E é um tema onde nunca haverá consenso, porque as opiniões são divergentes. A proibição do acto abortivo é maior no hemisfério sul, sendo admitido, em alguns países, em situações específicas, como em caso de gravidez decorrente de violência sexual, gravidez que represente risco de vida para a mulher e por más formações fetais.

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