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Estuda, dizem eles…

Estuda para que um dia possas ser alguém. Esta é uma das frases que, de um modo inocente e preocupado, costumávamos ouvir com alguma frequência quando éramos pequenos. A frase, em si, denota a crença de que, mediante um esforço meramente individual, é possível subir a escada da estrutura social através da educação. E, em verdade, a escola, especialmente a universidade, tem sido catalogada como um elevador social. 

Nas gerações que nos precederam, através da universalização do ensino superior, a universidade conseguiu cumprir esse papel, junto das pessoas das classes mais baixas que conseguiram formar-se. Mas é irónico a geração mais bem preparada de sempre ter 20% dos jovens a acumular trabalhos para conseguirem viver autonomamente, e de quase uma parte igual (~18%) de jovens recém-licenciados ser rejeitada pelo mercado de trabalho, num dos piores registos da União Europeia. Num contexto onde quanto mais afastado do mercado de trabalho o indivíduo ficar, mais difícil se torna o seu regresso, é um sinal de que este “elevador” social pode não estar a funcionar muito bem. E, claro, sem mencionar que existem muitos licenciados que não conseguem trabalho sem ser numa caixa de supermercado ou café.

Por outro lado, como competir justamente num sistema que parece estar viciado? E o que dizer quando ligações familiares parecem servir de via verde para ocupar cargos públicos, no Governo ou função pública, independentemente, do grau de escolaridade? Quando se entra na universidade após 12 anos de estudos, observando este contexto, ao qual poderíamos adicionar o constante fluxo emigratório, como é possível ser-se alguém?

A educação é, no seu cerne, um elevador social e um instrumento de progressão. No entanto, quando a mobilidade social de pessoas mais capazes é travada porque prevalecem “contactos” de conhecidos, além da desmotivação, isto só expõe as hipocrisias de um sistema construído para manter nas margens o mesmo tipo de pessoas e garantir o privilégio de uns poucos.

A realidade que muitos jovens agora enfrentam, nomeadamente, terem de aceitar empregos onde não podem aplicar as suas competências adquiridas ao longo de anos de estudo ou terem de acumular diferentes trabalhos porque o salário mínimo não lhes chega para sequer sobreviver, é o exemplo de como a frase estuda para que um dia possas ser alguém já não tem significado algum. Por culpa, não da escola, mas de um sistema que demonstra cada vez mais as suas limitações e fragilidades.

Se queremos que a educação continue a ser um elevador social, precisamos de repensar, não somente o seu papel, mas também as estruturas sociais e económicas nas quais ela se insere. Ou seja, a educação não deve ser perspetivada como o único recurso de ascensão social, mas enquanto um dos elementos que permite essa mesma ascensão. Só um sistema mais justo e equitativo, guiado pelos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, pode garantir que uma pequena criança possa estudar para, no futuro, ser o que quiser, independentemente da sua condição de partida, contexto familiar ou lugar de residência.

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