Quando nos falam em “comédia à portuguesa”, é totalmente legítimo que o primeiro pensamento vá para reminiscências de cenas popularuchas que insultaram a nossa inteligência. Quando vemos um cartaz que nos mostra uma família “vestida à anos 70/80”, é perfeitamente natural que chegue o anseio por um enredo similar ao “Conta-me como foi” da RTP. Com efeito, “A mãe é que sabe” é um filme português, é uma comédia e tem gente vestida com roupas dos anos 80. No entanto, o guião de Roberto Pereira está recheado de ideias nobres e o ecrã mostra-nos mais do que as vivências de uma família: sem o esperar, a dada altura o espectador é levado pelo nonsense, com um cheiro a ficção científica.
À volta de um almoço de anos, com bacalhau com natas sobre a mesa, “A mãe é que sabe” consegue ser um retrato de uma família portuguesa, um atravessar de três épocas e um olhar sobre o conservadorismo adulto versus a rebeldia jovem. Ao mesmo tempo, faz-nos reflectir sobre o peso que cada pequena decisão pode ter num futuro incerto.
Em relação a este último ponto, alguns críticos afirmaram que a primeira longa-metragem do realizador Nuno Rocha poderia ser o “Arrival” português. Contudo, eu não vou tão longe: as falas cativam, a fotografia é belíssima, a dosagem entre o riso e a fantasia está no ponto, mas trata-se claramente de um estilo muito diferente do filme de Denis Villeneuve, que tem extraterrestres bem presentes na trama. Cada um tem o seu espaço próprio.
Admito, no entanto, que há algumas aproximações ao “The Butterfly Effect”, nomeadamente no que respeita a alterações no espaço-tempo. E essas alterações, tal como quase sempre acontece nestes casos, transportam-nos para o dilema de se preferir um passado melhor, mas perder o presente tal como ele é ou, por outro lado, deixar que as desavenças do passado nos levem à conjuntura do presente real.
Perante a complexidade da questão, não há dúvidas sobre quem seria a pessoa mais indicada para, na trama, resolver o problema: a pessoa que sabe (ou pensa saber) tudo, aquela que tem sempre um conselho debaixo da língua e compreende exatamente qual é o lugar das coisas no mundo – a mãe. Contudo, Josefa (numa interpretação de Joana Pais de Brito que comove) já morreu. Dela restam apenas as memórias que nos são trazidas pelos olhares absortos da filha Ana Luísa (Maria João Abreu). As actrizes nunca se encontram no ecrã, mas a afectividade entre as personagens que representam está imbuída por um realismo de se lhe tirar o chapéu. Essa relação que nos deixam perceber sem nunca mostrá-la é um dos pontos fortes da longa-metragem.
Em suma, “A mãe é que sabe” é uma experiência cinematográfica bonita, onde a gargalhada de diversão pode, de repente, transformar-se numa lágrima de empatia. E é nesta mistura de sentimentos, com a expressão “É uma maneira de dizer” a ser constantemente repetida por Josefa, que com ternura Nuno Rocha mostra que a comédia portuguesa pode ser popular sem cair no popularucho.