Diário de um Pai

Chego a casa, após um dia intenso de trabalho. Sinto-me irritado.

Por norma, saio do trabalho e vou com os meus colegas ao bar que se encontra próximo do meu escritório. Os momentos de lazer após 8 horas de trabalho servem para descomprimir as tensões acumuladas, ao longo de um dia exaustivo de reuniões e outras chatices. No entanto, hoje a Joana ligou para mim. Estava estranha ao telefone. Diz que precisa urgentemente de falar comigo.

Assuntos urgentes assustam-me! Só espero  que não seja mais um dos seus discursos acerca da minha falta de romantismo ou de sensibilidade.

Chego a casa e, antes de abrir a porta, respiro fundo, tenho que me acalmar.

Entro na sala e vejo o seu sorriso entusiasmado. Tem um brilho diferente no olhar.

Percebo que a tal “conversa urgente” muito provavelmente foi apenas um pretexto para que eu viesse mais cedo para casa. De qualquer forma, já me sinto mais tranquilo. Olhar para o seu sorriso acalma-me.

“Estamos grávidos!!!”

Fico em choque. E só quando ela me abraça é que “desço à terra”.

Sinto um misto de emoções e abraço a minha companheira, ao mesmo tempo que me deixo “contagiar” pela sua alegria.

Os nove meses foram passados num rodopio desenfreado.

Recordo com nostalgia a primeira consulta. Foi emocionante ouvir o bater do coração do nosso bebé pela primeira vez. A minha mulher chorou, mas eu mantive a postura firme, pois senti e sinto que esse é o meu papel.

Foi assim, durante os nove meses de gravidez. Segurei os seus cabelos sempre que  vomitava, verbalizei palavras tranquilas sempre que ela dizia estar cansada e repeti vezes sem conta que estava linda sempre que ela chorava e dizia estar gorda.

Fui forte! Contudo, no dia em que a minha filha nasceu e a olhei pela primeira vez, todas as minhas estruturas abalaram e deixei pela primeira vez em 9 meses que as minhas emoções se exteriorizassem… Chorei. Sim chorei… Senti que toda uma energia carregada de insegurança se apoderava de mim, quando olhei para a minha mulher a segurar a minha filha no colo depois de 9 horas intensas de trabalho de parto.

A partir desse dia, tudo mudou!

Noites perdidas, preocupações, mas quero fazer parte de todos os momentos da vida da minha filha e fico orgulhoso, embora não o admita, sempre que a minha mulher me diz com um brilho no olhar que sem mim tudo seria mais difícil.

Quando o expediente termina, já não sinto necessidade de ir beber a cerveja diária com os colegas de trabalho para descomprimir, prefiro ir para casa e brincar com a minha filha.

Há colegas que lançam piadas, mas não ligo. Oiço mulheres vezes sem conta a comentar que se sentem sozinhas. Os homens que escolheram para serem os pais dos seus filhos continuam a agir como se nada tivesse mudado na vida deles.

Para nós homens, é difícil admitir a nossa sensibilidade, mas acreditem, mulheres, que para nós os 9 meses são extremamente angustiantes. Ficamos inseguros por diversos motivos e cada um de nós reage da forma que pode.

É-nos incutido pela sociedade que nós homens temos a obrigação de ser fortes, mas acreditem que muitas vezes me apetece gritar, desabar, chorar… Não foi fácil assistir aos 9 meses de gravidez. Senti-me e ainda me sinto impotente muitas vezes. A minha filha crescia no ventre da minha mulher sem que eu pudesse participar de alguma forma no seu desenvolvimento. Durante o trabalho de parto, quis poder aliviar as suas dores de alguma forma e a única coisa que me foi permitido fazer foi exprimir palavras de apoio e conforto.

Quando a minha filha nasceu, também senti que era colocado de parte, mas escolhi mais uma vez ser o pilar das duas mulheres da minha vida.

Cada um reage como pode…

Eu escolhi expressar amor e não me arrependi em nenhum momento da minha escolha em participar de forma activa no crescimento da minha filha. Sinto-me mais próximo da minha mulher e sinto que hoje sou sem dúvida uma pessoa melhor do que antes desta experiência.

Não sou perfeito e nem o pretendo ser, mas faço todos os dias por ser a melhor versão de mim mesmo para a minha filha. E se por ventura um dia, quando ela crescer, a ouvir dizer que quer um companheiro que a trate tão bem ou ainda melhor do que eu… então, sim. A minha missão foi bem sucedida.

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