Um dia como qualquer outro. Sol e chuva, que este ano está tudo ao contrário. Um Inverno de Primavera e agora não se entende. Passo os olhos pelo jornal, raramente o faço. É preciso cuidado para encontrar a verdade. Tudo se deturpa em nome nem sei do quê. Os meus olhos estancam numa fotografia. Foi mais uma mulher que se foi. Uma mulher que era mãe, filha, neta, tia, sobrinha, vizinha, amiga, profissional, uma pessoa multifacetada, um ser que se esforçava por continuar a sua vida apesar das adversidades que tinha de enfrentar.
Ontem deixou de existir. Uma anónima entre tantas, um cadáver que se acumula e que terá de desaparecer. Nunca mais a iremos voltar a ver, a ouvir a sua voz, a entender as suas palavras e a usufruir do seu sorriso. Acabou. Mais uma vez se completa o ciclo da vida que, inevitavelmente, é deste modo. Era ainda bem jovem. Estava doente. Lutava com todas as suas forças, mas o cancro venceu-a. Morreu. A sua foto aparece no jornal. Tem um ar sereno, de quem aceitou o destino. Talvez seja esse o caminho mais fácil para seguir, o saber aceitar que nada se sabe.
No livre-arbítrio da vida, se realmente existe, há que considerar a parte do determinismo. Tudo tem um fim. Não interessa a idade, o sexo ou a condição. É universal. Filosofia da vida. Incontestável. É um facto. Nascer não é decidido pelo próprio nem morrer. Essa pode ser uma opção perante barreiras ou até mesmo por saturação. Viver sempre pode cansar, mas quando se é jovem, essa ânsia de terminar soa a absurdo. Para quê encurtar se se pode prolongar?
Olhei para a foto e senti que comunicava comigo. Tocou-me no coração. As guerreiras também têm as suas fraquezas e são derrotadas. Mulheres fortes vacilam, tal como todas as outras. Guerreiras por terem guerras mais duras, mas, na verdade, viver não será sempre uma luta? Gostei do sorriso dela. Não a conhecia, mas senti uma dor fininha por não ter conseguido ficar mais um pouco. Terei sido injusta, tal como a vida?
A morte dói e deixa um rasto de tristeza subtil. Nem uma lágrima irei chorar, mas sei que ela vai entender. Mudou-se para outro local. De qualquer dos modos não a conhecia. Agora já sei quem é. Vantagens destas andanças. As lágrimas choradas serão de quem a conhecia, da falta que irá fazer e do vazio que deixa. Outros poderão pensar que se elevou, que é uma estrela e que os irá guiar. Recursos que se encontram para dar sentido ao que não tem.
A morte é apenas isto, a continuação das interrogações, a inquietação, a dor e o receio de que a solidão natural onde cada um vive, fique ainda mais larga e que possa vir a sufocar. Não a conhecia, mas despedi-me dela, como tenho feito com tantos que já se foram. As despedidas são horríveis. Deixam ficar um sabor amargo. Será que ela teve tempo para viver?