A ausência arrasta-se atrás do caixão. É o descompasso de três pares de solas contra a calçada. Um eco naquele silêncio monstruoso, um som tão solitário que deforma a dor. Parece uma dor poucachinha, insuficiente, como se fosse possível medi-la. Como se aqueles três peitos não estivessem escancarados, desfeitos, com um vazio tão grande que poderia engolir o tempo.
Enterrarmos os abraços, a voz, aquilo que ficou por conhecer. Não sabemos para onde vai o que nunca se contou nem onde ficam as noites que só nós conhecemos. Debaixo de terra deixamos também esses mapas de quem éramos.
O medo enche-se com a pergunta: quem está dentro daquele caixão?
As súplicas não sabem lutar contra a lei. Não houve adeus, esta pressa é o melhor que podemos arranjar. Não se abre o caixão, não, que soltamos o vírus.
A incerteza de enviarmos a nossa mãe, o nosso pai, a nossa avó para uma eternidade de falsa identidade escrita em pedra. Rezando para que não falhem a entrada do céu. Esperando que a nossa mágoa não esteja a regar a pessoa errada. Quem sabe se o enterro não surgiu de uma mãe que plantava um filho morto e o regava na esperança de que florescesse.
O medo enche-se com a pergunta: estou, sim?
Ao telefone, a voz quebrada. Não precisamos de saber mais. Os segundos submersos, a vida parada a gritar estática ao nosso ouvido e nós sem entendermos nada. A fecharmos os olhos porque entendemos tudo bem demais.
Contam-se as semanas de não darmos a mão, de não conhecermos o que os aflige, de termos os músculos tensos pelo choro guardado com medo da derrota. Só sabemos através das palavras cansadas de quem não desiste. Usam viseira, máscara, fato. Escondem o pânico mesmo rente à pele, bem juntinho à saudade. São os olhos deles que consolam quem amamos, são os dedos deles que lhes apertam a mão e lhes mostram que não estão sozinhos.
O medo enche-se com a pergunta: deu negativo?
A inquietação. Fechamos as portas para desativar as potenciais armas de destruição maciça em que nos tornámos. A emoção paira à nossa volta e toca-nos sem razão nenhuma por todos os motivos do mundo. Os risos são tão dissonantes quanto necessários. Prometemos abraços. E a inquietação, inquietação, inquietação.
Recebemos a mensagem: estive com uma pessoa que tem COVID, vou fazer o teste.
O medo enche-se com a pergunta: estás bem?