O descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou de uma nação.
– Oscar Wilde
A primeira análise científica e imparcial relativamente à evolução geral da humanidade e seu destino foi efectuada pelo filósofo Immanuel Kant, sem que a Bíblia fosse o princípio base e do qual merece toda a homenagem e digna admiração. Mesmo que todas as filosofias ligadas por este ponto de partida e no que respeita ao fundamento estejam correctas e correspondam justamente no que toca à humanidade, quanto à forma, por vezes, pode-se encontrar discrepâncias e impasses.
Por ser pensada por homens e, como é sabido, estes não são perfeitos, o individualismo, a soberba e presunção podem, muitas vezes, ajudar certos pensamentos a não corresponder à verdade. Pois é facto que o ser humano, por mais anos que passem e por mais evolução que haja, ele, na condição de ser humano, terá de ir até ao fundo do abismo, tão fundo até ser este a penetrar no imo de cada um, para que se aperceba da sua própria essência, do valor das posses e conquistas e não tomar nada por garantido como tanto nos é familiar, por hábito ou por conformismo.
Conscientemente ou não, a verdade é que hoje em dia, julgamos que tudo o que nos pertence, nosso é. Contudo, a vida, como é de conhecimento geral, dá as suas voltas e, numa verdade, esta tem um sentido de humor diabólico e do qual, muitas vezes, não estamos, de todo, preparados para enfrentar as intempéries – problemáticos para os próprios e nem tanto para os outros. O individualismo e egoísmo vão-se conservando.
Desde os primórdios de outrora que, além das duas características referidas acima, também temos uma necessidade louca de sobressair e avantajar-se, seja em que sentido for, em relação aos nossos semelhantes. Reparem: o domínio e poder são as palavras chave desde há muito e este, sem sombra de dúvidas, é o que nos faz mover para que, de uma forma ou de outra, consigamos dominar uma determinada situação e num determinado contexto. Note-se que, definitivamente, não tem de ter uma conotação pejorativa implícita ou obrigatória. No fundo, é como a motivação homeostática: necessidade – impulso – comer; ou como o último patamar da pirâmide de Maslow, relativamente à hierarquia de necessidades: a auto-realização.
Embora que as duas necessidades básicas do Homem, segundo a psicologia e de forma muito resumida, serem a subsistência e o sexo, ao longo da evolução, o domínio sobre o outro tem dado aso a grandes triunfos de sucesso, principalmente, no que toca à evolução económica, tecnológica e industrial o que, definitivamente, não é nem será nunca, um trabalho de Sísifo. Numa época em que podemos afirmar que houve uma 3ª revolução industrial, caracterizando-se pela revolução tecnológica através da introdução de novas tecnologias, estas foram acompanhadas de mudança de mentalidade e mudanças sociais: hoje em dia, as relações humanas transformam a presença real numa ausência virtual.
No entanto, batemos continência à tamanha evolução que houve entretanto, em milhares de anos, e do qual seremos, com toda a certeza, gratos mesmo que isso implique, quase de forma paradoxal, insegurança e medo e que saibamos que a natureza humana se mantém igual ao longo dos tempos. O desejo do poder e de dominação, este desejo de ascensão social, é um factor quase comum a todos os seres humanos, e mesmo que seja uma característica que predomine mais a uns que a outros, não invalida o facto de que não haja este fascínio de “status” social. Porém, nem tudo o que o Homem quer é-lhe concedido. E quando o nosso objectivo é falhado? A frustração, o sentimento de incapacidade, a (in)capacidade de renuncia, as circunstâncias, conflitos internos e obstáculos externos serão, para sempre, aquele companheiro de passeio, de copos e de vida.
A frustração sempre existiu. A única diferença é que, hoje em dia, temos capacidade para falar sobre ela – quase – sem complexos. Quantas pessoas conhecem? Dessas, quantas pessoas estão satisfeitas consigo mesmas? Ou quantas, de uma forma ou de outra, estão frustradas com algo ou com alguma situação? A frustração é uma constante da vida, cabe a cada um saber como lidar com ela, mesmo quando a frustração e a agressividade surjam, quase sempre, de forma indissociável.
Para não faltar à verdade de Freud, o pai da psicanálise, o ser humano age em função de dois princípios: o princípio do prazer e o princípio da realidade. Hoje em dia e felizmente, por mais laxismo social que houvesse, os dois não podem (ou não deveriam) estar a par. Se tudo o que gostaríamos fazer, incluindo os nossos desejos mais íntimos, mais escondidos e mais inconfessados, o princípio da realidade terá sempre de se sobrepor: é tudo o resto, tudo o que nos é permitido e é o que somos perante os outros.
As representações sociais estão plantadas, desde há muito, e o ser humano é, e sempre foi, uma estrutura complexa de interacções entre individuo e meio. Este age e reage resultando entre acção / reacção. Mesmo havendo previsibilidade nas acções/ reacções, graças às normas criadas para estabelecer ordem, ainda assim, haverá um ou outro que nos consiga surpreender, seja ela de forma negativa ou positiva.
Em boa verdade, a nossa visão é moldada com a perspectiva partilhada com os outros. Por mais que queiramos não o admitir, a verdade é que terceiros são como referências relativamente a experiências, ideias e opiniões. Conclui-se, com isto, que na nossa vida, é decorrido um espaço de partilha de experiência e de permuta.
Por mais que gostássemos, porque nos tornaria completamente independentes uns dos outros, o ser humano não vive, nem nunca viveu, isoladamente. Cada um é como é e embora sejamos diferentes uns dos outros, existem formas de comportamento assustadoramente semelhantes: todos reagimos bem à beleza e todos reagimos mal à fealdade. Quão assustador esta uniformização comportamental pode ser? Porém, no fundo, esta norma social, esta forma mecânica e a padronização de comportamentos hoje em dia, faz com que consigamos classificar o que é permitido ou o que é condenável e, assim, minimizar a incerteza e a confusão de sentimentos.
Impressionante é o facto, por exemplo, de ter que existir uma norma para o nosso próprio bem. Não conseguimos estar, de forma segura, sem que sejamos obrigados a tal: quão pequenos, a nível de consciência, nos tornámos para ser necessário sermos sancionados com uma coima por não usar cinto de segurança no carro?
Todos temos, ou pelo menos sabemos, quais são as atitudes moralmente aceites, quais causas nobres que devemos defender, os mesmos valores e mesmas ideias. No ímpeto, somos todos diferentes, mas tão iguais…. Somos bajulados se fizermos uma boa acção (e quanto mais visível for, melhor) ou somos chacinados em praça pública se cometermos um erro, sem querer, de forma notória.
Pessoalmente, confesso que as ditas boas acções quando têm uma segunda intenção, seja ela qual for, hoje em dia, pouca importância lhe dou. Com o egoísmo e individualismo manifestado a olhos vistos, cada vez mais com o crescimento da evolução humana, efectivamente, pouca importância lhe dou. A boa acção foi feita? Melhor. Se ajudou alguém, mesmo com interesse, pouco importa. A verdade é que se uma pessoa é vegetariana com o intuito de não ser comido por um leão esfomeado se se deparar com um, de nada lhe valerá o plano. Entendem? Mas, se nesse entretanto, teve uma boa atitude relativamente à causa animal, melhor. Hoje em dia, se eventuais interesses são fios condutores para boas intenções, que sejam. Entretanto, quem é ajudado, dá graças a Deus pelo seu benfeitor.
Independentemente dos credos de cada um e da sua mentalidade, a esmagadora maioria, em vivências extremas, tem uma tendência auto-cinética: tornar o desconhecido e assustador em aspectos conhecidos e explicações racionais. Este efeito também se manifesta quando temos uma experiência caótica na vida e tendemos a ordená-los com experiências interiores e anteriores para encontrar uma vivência semelhante e, consequentemente, uma explicação racional.
Principalmente hoje em dia, como ser humanos intelectualmente evoluídos que somos e nos tornámos, não colocar a culpa de acontecimentos inexplicáveis ao sobrenatural, não vivendo e não nos guiando por um líder espiritual e, muito menos, não culpando outras entidades por todo o mal que acontece, quiçá, será um bom caminho. Seguindo o raciocínio, e se tudo estiver escrito como alguns credos apregoam, porque razão olhámos para o lado quando atravessamos a estrada?
Até à publicação de “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, o pensamento científico ia de mãos dadas com a religião. Felizmente, mais de 150 anos depois, já muitos admitem que a nossa origem não é de sopro divino, mas de origem primata, embora Friedrich Nietzsche defenda que “o macaco é um animal demasiado simpático para que homem descenda dele”. Ainda assim, alguns batem o pé e crêem na outra versão. Estão certas e fazem bem, e quem sou eu ou um outro qualquer, para contrariar se quando Galileu Galilei, com uma verdade científica e revolucionária também a repudiou quando a vida dele foi colocada em causa?
Duas verdades nunca se podem contradizer.
– Galileu Galilei
Repito: independentemente de credos, numa verdade é que na evolução do Homem, quero em crer, que os estereótipos não eram tão tidos nem achado como hoje. Os estereótipos, são verdades muito confortáveis, uma perdição e uma forma confortável de interpretar o real: “Todos dizem que…”, “Diz-se que…”. Evidentemente que poderá haver alguma correspondência com a verdade, porém, podemos cometer a injustiça de julgar mal alguém ou uma determinada situação. Mesmo quando a realidade contradiz, os estereótipos são muito eficazes na integração social, assim como, a existência de preconceito que, também este, está em crescendo. Julgar alguém pelo aspecto exterior, pela classe social e situação financeira, pela sua opção sexual ou cor de pele não faz jus à palavra “evolução”.
A evolução tem se ser – ou deveria ser – bem mais que isto.
Deveríamos sentir mais e sermos o mais sinceros possível connosco (e com os outros). As emoções estão e sempre estiveram presentes pois a vida, na sua plenitude, oferece-nos uma enorme quantidade de acontecimentos que nos obrigam a reagir de forma emocional. Desta forma conseguimos, de forma mentalmente sã, adaptarmo-nos ao que nos acontece, mesmo em relação à proporção da tristeza ou da alegria sentida que irá depender sempre do significado que atribuímos aos acontecimentos e, claro está, também sob ponto de vista ou psicológico de cada um, ou filosófico, ou religioso, ou, porque não, sob o ponto de vista científico.
A moral, propriamente dita, não é a doutrina que nos ensina como sermos felizes, mas como devemos tornar-nos dignos da felicidade.
– Immanuel Kant
Como sempre, um texto excelente. Parabéns. Reflexivo sobre não somente a origem, mas pelo que acreditamos e o que poderemos ser nessa caminjada tão complexa.