Céu Verde – Parte I

A história do cientista louco sempre fascinou Ramiro. No seu quarto passava horas a pesquisar os misteriosos contornos da vida daquela figura que era tão enigmática que ninguém acreditava que realmente tivesse existido. Ramiro acredita e tinha recolhido dezenas de imagens fictícias que retratavam o cientista louco bem ao jeito de um “herói” da cultura popular.

As paredes do seu quarto eram olhares de um louco com uma bata branca e luvas amarelas de borracha. Uma figura histórica que se tornou personagem de imaginação coletiva. Ramiro chegou a descobrir que essa forma de o retratar surgiu pela primeira vez num jornal dos anos 1930, num desenho que ilustrava uma pequena reportagem sobre o imaginário dia em que o céu ficou verde.

No presente ninguém acreditava que aquela personagem tinha realmente existido. Ramiro era a exceção e isso incomodava a sua família.

“RAMIRO, VEM JANTAR.” Era um grito diário que raramente tinha resposta. A reação dos pais variava entre o ir buscar ao quarto e simplesmente esquecer que já o tinham chamado.

Os pais lutavam constantemente para que ele mudasse o seu foco. Por vezes irritados com a falta de interesse em assuntos que fossem realmente importantes para os seus 50 anos de vida. Outras vezes apenas pelo desgosto de perceberem que a sua excentricidade era motivo de comentários de vizinhos e não só.

Neste final de tarde, quando o laranja do sol a cair no horizonte se misturava com o verde esmeralda do céu, Ramiro entro em casa de rompante, entusiasmado como há muito ninguém o via. O pai de pronto foi no seu encalço tentando perceber que tinha acontecido. Ramiro entrou no seu quarto, ligou a luz enchendo o espaço com um subtil verde da relva e tirou da mochila um velho livro desgastado pelo tempo. O pai manteve-se curioso e viu o filho abrir o livro.

– Que livro velho é esse, filho? – Perguntou.

– É um antigo livro de química! Diz aqui que o céu já foi azul e o brilho do sol muito mais amarelo e intenso! – Respondeu Ramiro.

– Lendas, fantasias, filho.

– Não pai, é verdade. Já o tinha lido noutros textos da antiguidade. Mas este livro é especial!

– Porquê?

– Tem anotações manuscritas o Cientista Louco!

– Outra vez essa história, Ramiro?

– É a verdade pai! E eu estou quase a conseguir provas disso!

– Chega Ramiro. Estás de castigo e nem me interessa que já não sejas uma criança! A Internet acabou para ti! Estes posteres vão todos sair! A minha paciência está a chegar aos limites.

– Mas, pai…

– Mas nada! Estamos quase no final do ano e as tuas notas são uma miséria porque estás sempre em volta dessa história parva em vez de estudares assuntos sérios! Pensa no teu futuro, filho!

Ramiro ficou entre uma lágrima no cato do olho e as páginas abertas do livro caído no chão.

– Quando eu provar que o Cientista Louco é real e encontrar uma solução para o céu verde, todos me irão dar razão.

– Não quero ouvir mais uma palavra sobre isso!

Ramiro remeteu-se ao silêncio por respeito ao seu pai. Mas tinha aquela missão tatuada no seu futuro. Corrigir a cor do céu que apenas ele acreditava não ser aquela. Queria trazer o calor e os dias aconchegantes, a luz clara e amiga, a luz da felicidade que sob o céu verde parecia não existir.

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