Reviver o Passado em Brideshead

Não podemos apreciar apenas séries intelectuais como Reviver o Passado em Brideshead” vi escrito numa resposta de Julie Sergeant, referindo-se à abertura (ou respeito) que devemos ter com quem se cultiva da Arte mais comercial (Spielberg é um dos muitos exemplos de como a dicotomia comercial/qualidade tantas vezes se esbate).

A curiosidade havia sido despoletada. Foi com uma pitada de receio (ou terá sido – novamente – respeito?) que parti para a investigação acerca da série, refreando a curiosidade ao aperceber-me de que havia sido baseada na obra mais famosa de Evelyn Waugh. A história não me cativou: uma amizade entre dois homens, Charles Ryder e Sebastian Flyte, no período entre guerras, no seio de uma família da aristocracia inglesa e a influência que esta teve sobre o primeiro não me teriam convencido, não fosse a observação de Julie Sergeant permanecer na órbita da minha vontade.

Isso, e a conversa que, ao passar dos 30, tive com o meu director – uma entre muitas que com ele partilhei sobre Literatura e a quem devo o contacto com algumas obras mais marcantes da minha vida – em que ele me falou da série e do livro como se de um conjunto único se tratasse, e acedi de imediato à sua oferta para ler – primeiro – e ver – depois.

O livro é maravilhoso. A história, possuidora de uma beleza estética, cultural ou mesmo afectiva, é-nos contada retrospectivamente por Charles, jovem que, tendo-se relacionado amorosamente com dois dos irmãos Flyte – Sebastian e Julia – relembra, ao ver o Castelo de Brideshead onde as tropas haviam estacionado, os anos de descoberta que passou junto daquela família tão representativa do conflito entre tradição e modernidade, entre o que é assumido e o que permanece subentendido. A própria escrita de Waugh respeita esta ambivalência ao oferecer-nos o óbvio sem se demorar em qualquer descrição.

A série, que vi quase de seguida, não desiludiu – curioso facto perante um livro que me havia encantado – e os protagonistas, sobretudo Jeremy Irons e Anthony Edwards nos papéis de Charles e Sebastian, entram maravilhosamente no espirito, num tempo que não volta mas que Charles quer reter, apesar da incerteza quanto ao que dessa vivência a sua vida pôde extrair.

Será o livro intelectual? Não.

E a série? Talvez (não vejo muitas para ter um substracto de comparação representativo).

Importa alguma coisa que o sejam? Nada

Importa apenas o gozo que nos dá usufruir de uma obra de arte, seja uma peça de Literatura, um filme, série, quadro, um álbum de BD ou um concerto de Mahler ou dos Moonspell. Ironicamente foi a curiosidade em descobrir o significado de “intelectual” escondido por trás da observação de Julie Sergeant e o epíteto seguinte lançado pelo meu ex-director (“A história é lindíssima”) que me levou até Brideshead, tudo para concluir que, quanto mais vamos experimentando diferentes formas de arte, menos nos assusta a barreira “intelectual”, tal como treinamos a passagem de obstáculos no atletismo. O que é preciso é não desistir e para isso, há que ter paixão. Na paixão, a erudição desfaz-se: ela não passa de uma roupagem.

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