Parece-me que nunca se falou tanto de medo como agora. Fala-se em voto pelo medo da imigração. Discute-se o medo de falhar. E o medo de se acabar sozinho está mais presente do que nunca. Eu cá tenho os medos básicos: que não haja volta a dar nisto da degradação ambiental, que o Trump se lembre de brincar com os botões e, confesso, as sombras da noite ainda me paralisam quando estou um pouco mais ensonada. É precisamente nesta paralisação que está o poder mais comum do medo – bloquear-nos. Mas porque é que estamos tão irracionais?
A minha resposta (nada fundada em pressupostos científicos) é um tanto ou quanto paradoxal. No entanto, é também elementar. Cá vai: somos bombardeados com informação vinda de vários meios; nessa informação abundam estórias de insucesso; e, amontoando todos esses elementos, tornamo-nos conscientes de tudo aquilo que pode dar para o torto. A consequência é andarmos a magicar as possíveis desgraças a abaterem-se sobre nós.
Este pensamento traz reminiscências de algumas perspetivas sobre o humor, que dizem que a sua função se prende com a desconstrução daquilo que é nocivo para a sociedade. Aliás, grandes mentes, como o Ricardo Araújo Pereira, afirmam que só rimos porque sabemos que vamos morrer. É esse medo, trazido pela consciência da nossa finitude, que transforma o humor numa espécie de arma que, de forma desengonçada mas sublime, encara o fim de frente.
Contudo, nem todos – e nem sempre – temos essa capacidade soberba de pôr fim ao medo do fim. Por isso, andamos às aranhas, de cabeça baixa e ouvidos bem atentos. Tudo para antecipar os movimentos dos passos matreiros que poderão ser a nossa desgraça.
Se vivêssemos em Gotham City, era diferente: não teríamos que estar atentos nem sentiríamos o apelo do humor. Um super-herói com uma capa ridícula salvava-nos de tudo. E não importava que estivéssemos no meio do caos porque a função de repor a serenidade pertencia àquela divindade. Nós não teríamos que fazer nada.
É muito mais difícil viver fora de Gotham City: o medo não acaba e nós acabamos a criar os nossos próprios deuses. Criamo-los a partir do medo e alimentamo-los com o medo.
Em suma, esta irracionalidade nasce de uma máxima bem racional: esperemos o melhor, preparemo-nos para o pior. E é nesta preparação que, absurdamente, estagnamos.