Fúria, visto sem qualquer outra referência além da vontade de aprofundar o conhecimento do trabalho de Fritz Lang – um dos nomes maiores do expressionismo alemão e dos homens que melhor fizeram a transição para o cinema sonoro – revelou ser não só um grande filme, como um magnífico retrato da… actualidade… realizado em 1936.
Um homem é preso, suspeito, à conta de indícios circunstanciais, de ser um dos três cúmplices do rapto de uma mulher. Quando a população local tem conhecimento de que alguém se encontra em prisão preventiva, a onda imparável pela “justiça popular” começa a galgar fronteiras, a da Lei, a da Justiça, da Moral, da Decência, Bom Senso, Humanidade… o resto é aquilo a que temos assistido bem demais nos dias de hoje, com as redes sociais e esta importância de que cada um se acha, de que a sua própria voz merece ser ouvida independentemente do que ela profira.
Spencer Tracy e Sylvia Sidney dão corpo a esta história. Tracy encontrava-se no melhor momento da carreira (nesse ano (não por este filme) e no ano seguinte levaria os óscares, feito que somente seria igualado quase sessenta anos depois por Tom Hanks) e o papel que oferece em Fúria é magistral.
Uma história em que, não tendo eu dela saído ileso (cheguei a comentar com a Sofia que eu teria reagido da mesma forma) expõe a facilidade contagiante com que o ódio se espalha por uma comunidade, o perigo dos decisores políticos não comparecerem quando era o mínimo que se lhes pedia, por calculismo eleitoral, a facilidade com que a Justiça se contamina de Vingança e o modo como cada um de nós, por mais bem intencionados que sejamos, não nos livramos de ser corrompidos por aquilo que nos acontece.
Um filme muito bem conseguido. Talvez pela altura em que foi feito (na década de trinta o mudo e o sonoro coabitavam), as histórias eram transpostas para o ecrã de um jeito mais directo, mais puro no que às intenções dizia respeito. O cinema mudo a isso obrigava e o sonoro dos primeiros tempos herdou essa arte. Mais tarde, o som e os efeitos foram sendo explorados, enriquecendo vias alternativas de se contar uma história, mas quando testemunho estes exemplos das décadas de trinta e de quarenta, é um prazer notar um argumento que, cingindo-se ao essencial, nos traz tanto.