A primeira temporada de “As Pedras da Calçada” chega ao fim e vamos entrar de férias, como maior parte da população nacional, mas não sem antes deixar uma última reflexão. Podia ter escolhido um tema mais actual, como a telenovela do Grupo Espírito Santo, a mais recente fumaça da eventual suspeita de José Sócrates ser detido para interrogatório no caso Monte Branco, ou, para mim, o grande hit de Verão, as primárias do PS, mas preferi referir algo realmente importante.
Confesso que sou um grande fã destes programas de talentos que têm aparecido nos últimos anos. Vejo e revejo os episódios das várias temporadas, muitas vezes, com o mesmo entusiasmo com que os vi pela primeira vez, sejam britânicos, australianos, norte-americanos, ou portugueses. Contudo, nos últimos dois, ou três anos, comecei a tomar mais atenção ao que por cá começa a aparecer, nomeadamente pela qualidade de artistas que estão a surgir no panorama nacional.
Quando segui, atenta e entusiasticamente, a última edição do The Voice Portugal, vi gente com garra para fazer da música a sua expressão de vida, gente duma nova geração que rompe com as estruturas vigentes e que quer arriscar ser feliz a fazer o que ama, o que pulsa nas suas veias. Assim deveríamos ser todos.
Que vivemos num país de artistas, é mais que óbvio. Portugal é um país de emoções, de criatividade, de elevação artística, que, contudo, vive mais no medo e na insegurança, não permitindo que esta mesma capacidade seja vista como uma virtude e não como uma futilidade, ou algo sem futuro. Devido a esta forma de pensar, cresceu em Portugal um fenómeno popular, chamado de Pimba, muito giro para festas, para bailaricos e para o gozo, uma versão light da verdadeira qualidade que existe por terras lusitanas, fruto da crença que o que se faz cá é pior do que o que há lá fora, reflexo de uma sociedade que pensa, infelizmente ainda muito, dessa forma, nomeadamente sobre si mesma. É a minha forma de ver, não desvalorizando os artistas que, numa boa parte, são grandes profissionais e que merecem todas as honras. No entanto, a nossa própria postura perante a música Pimba, que “ninguém” gosta, “ninguém” ouve, mas toda a gente, na realidade, conhece, canta e dança, mostra o que fazemos também com o resto.
Ao ver estes novos talentos que começam a surgir, muito graças a estes programas, que lhes permitem ganhar alguma projecção num mundo tão visual e digital, para mim é claro que há uma mentalidade que urge em mudar, que reflecte uma visão muito portuguesa que nos leva a sentirmo-nos inferiores, a não acreditarmos em nós, a apontar apenas os erros e a valorizar pouco de bom que existe. Pode-se dizer que hoje é menos assim, que já estamos melhores, mas se olharmos atentamente, não é isso que acontece, não é isso que vemos. Continuamos a colocar mais esforço em encontrar o que está mal do que em celebrar e valorizar o que de maravilhoso temos. Não tenhamos ilusões, não é algo apenas artístico, é social, nas empresas, na educação, nas famílias.
Quantas e quantas pessoas, nas minhas consultas, trazem-me o reflexo disto mesmo, de não acreditarem nas suas capacidades, porque sempre lhes exigiram mais, porque sempre lhes disseram que aquilo que elas amavam não era o correcto para ter um bom futuro. A educação que recebemos está minada de pessimismo, de crítica, de exigência e muito pouco inundada de amor, de valorização, de celebração e de desenvolvimento das capacidades inatas de cada um. Creio que, mais do que nunca, chegou o tempo de inverter isto. A penas mudando individualmente poderemos mudar toda uma sociedade, podemos projectar a música, o cinema, a literatura, o teatro, mas também a espiritualidade, o design, a produção, o marketing, a gestão, o empreendedorismo e tantas outras áreas portugueses além-fronteiras. Podemos construir uma imagem positiva de um país que já tanto deu ao mundo, mas que se deixou levar, a meu ver, por uma profunda ganância e materialismo que são o inverso da cultura deste nosso Portugal. Contudo, nada se consegue sem um profundo esforço e dedicação, com um profundo amor e entrega, nomeadamente quando tudo parece cair.
Nesta última crónica, em vésperas de férias para muitos e para a rubrica também, esta é uma reflexão que todos podemos fazer. Será que fazemos o que amamos? Será que amamos o que fazemos? Ou continuamos a ser apenas mais uns que andam a vaguear, infelizes, a reclamar de tudo e de todos mas que não mexe uma palha para mudar?
Boas férias, se for caso disso. Em Setembro estamos de volta!
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