Todos os dias, em algum lugar, neste planeta que habitamos, acontecem crises. Essas crises atropelam a vida das pessoas e muitas vezes instalam o caos.
Deste modo, observamos que podem ser consequência de outras crises ou resultantes de intervenção humana. Sejam decorrentes de tempestades, sismos, incêndios, conflitos armados, crimes, violações dos Direitos Humanos, todas têm repercussões na dignidade da vida humana. No entanto, neste planeta que habitamos, várias pessoas despedem-se das suas famílias, do conforto do seu lar e decidem fazer a diferença na vida dessas pessoas. Assim, partem para semear a Esperança de acordo com os mais elevados valores de proteção da dignidade humana. Algumas dessas pessoas são voluntários, outros são profissionais humanitários, outros ainda são ilustres desconhecidos. Inegavelmente são estas as pessoas que não viraram as costas ao seu semelhante no seu dia mais escuro. Essas pessoas não são anjos nem tão pouco seres altruístas e especiais, são Homo Sapiens.
Subjetividade da crise
A percepção da crise é subjetiva, as reações e respostas podem variar consoante cada pessoa e as suas circunstâncias, os seus recursos, capacidade de resposta e adaptabilidade aos desajustes com que a vida a desafia. Sujeito a uma determinada pressão, é expectável que o Ser Humano consiga ajustar-se, adaptar-se, e assim, tal como na Física, ao exercermos pressão numa bola, esta cede no ponto de pressão, deformando-se e adaptando-se às novas circunstâncias, também o Ser Humano responde com atitudes de adaptação. Aliviando a pressão, a bola recupera a sua forma original, desde que esta não tenha sido arrasadora, o mesmo é esperado das nossas estruturas mentais e emocionais. Frequentemente designamos de Resiliência a este processo de adaptabilidade.
Reconhecemos que enquanto espécie, o nosso sistema nervoso está preparado para estímulos externos de ameaça. Estamos biologicamente preparados para uma resposta quando temos a percepção de que a nossa vida possa estar em perigo, ou a integridade de alguém que está perto de nós ou que observamos, ativando assim o mecanismo designado de “luta fuga”. Essa resposta é basilar para a sobrevivência humana, permite uma reação rápida e automática em situações de emergência. No entanto, poderá ser desencadeada em situações que não representam uma ameaça real ou até em situações que estão fisicamente distantes de nós.
Viver a dor com distância
Parece um absurdo sentir como minha a dor de quem perdeu a casa, a família, o lar, a pátria quando eu estou abraçada por quem amo, no conforto do meu sofá. Parece ridículo que me escorram lágrimas que nem uma enxurrada, quando vejo uma mãe a procurar o filho nos escombros de um prédio derrubado pela força de um sismo catastrófico. É paradoxal que esteja tão incomodada e com o meu mecanismo de luta fuga ativado quando assisto na televisão à evacuação de turistas numa ilha paradisíaca engolida pelo fogo impiedoso. Parece, mas não é assim tão incoerente.
Quando assistimos através dos ecrãs a efemeridade com que passamos de turistas a refugiados numa terra que não é nossa, quando uma tenda já não é para campismo, mas é um abrigo, um lar. Talvez assim seja mais fácil compreender como é caminhar a pé durante dias seguidos, agarrando-se à Esperança para não sucumbir à dor.
As redes sociais e os meios de comunicação expõem a vulnerabilidade humana de uma forma atroz, com uma dureza que parece irreal. Permitem-nos comparecer no pior dia da vida de alguém que está a centenas de quilómetros de distância, assistindo em direto ao seu sofrimento e apresentando-nos a perspectiva de que o que nos separa poderá ser materializado numa linha frágil e ténue. Assistimos, sofremos, choramos e até temos motivação para intervir, enviando donativos ou apoiando das formas que acharmos mais úteis e exequíveis. Contudo, pergunto-me: Quando seremos capazes de ir ao fundo questão? Quando teremos essa mesma empatia, perseverança e coragem para combater de forma séria, organizada, holística e com paixão tantas crises evitáveis? Ou no mínimo mitigáveis.
Mudança
Existem mudanças significativas na biosfera e nos sistemas climáticos deste planeta que ainda habitamos. As crises são recorrentes e de uma grande violência e imprevisibilidade. As respostas de solução são cada vez mais exigentes do ponto de vista da adaptabilidade. O Antropoceno não é mais título de ficção e assistimos a fenómenos extremos cada vez mais frequentes que ameaçam a vida e a dignidade humana em vários locais e de uma forma global. Como conseguiremos cooperar, enquanto espécie, de forma incisiva e mais profunda para combater estas crises que devastam os nossos dias. Como minimizar esses dias que são o mais negro ou o último da vida de alguém?
Só me ocorre uma solução integrada em que o primeiro passo será:
Tornar a prevenção estimulante outra vez!
No passado a cooperação condicionou a evolução da espécie humana, poderá ser esta a inspiração que nos falta? Seremos capazes de desenhar soluções eficientes e globais? Com Esperança derrubaremos o medo? Deste modo poderemos contribuir para que a sobrevivência com dignidade não seja um desafio diário e inatingível.
Abnegação
Pedro Strecht, a propósito do incêndio de Pedrogão de 2017, recorda a perda de tantas vidas humanas. Assistimos impotentes à exposição de várias vulnerabilidades que perturbaram a nossa percepção de segurança. Ceifaram a vida a tantos que contribuíram para construir este país e a tantos que seriam a Esperança para o futuro. Sinto que todos temos uma palavra a dizer e que a Proteção Civil não é uma responsabilidade de alguns apenas. É de todos! Somos chamados a intervir, a colaborar, a melhorar e a construir comunidades mais seguras. Em nome de dias menos negros e solitários, protegendo a vida e a dignidade humana!
(…) cuidar exige abnegação…pede que através de um longo processo maturativo, cada qual saiba descentralizar-se de si e olhar por outro, em movimentos relacionais continuados, sólidos, em que não raramente é requisitado o esforço de abdicar de prioridades próprias a favor de alguém.
– Pedro Strecht, A Árvore da Vida
Referências
- Duarte, A. (2011). Nunca se resignar, mas sempre actuar: a Cruz Vermelha e o nascimento do movimento humanitário. Trabalhos de antropologia e etnologia, vol. 51, 2011, p. 65-77
- Goodwin-Gill, G. S., & McAdam, J. (2017). UNHCR and climate change, disasters and displacement. The United Nations Refugee Agency (UNHCR), Geneva, Switzerland
- Guerreiro, D., Brito, B., Baptista, J. L., & Galvão, F. (2007). Post-traumatic stress: the mechanisms of trauma. Acta Médica Portuguesa, 20(4), 347–54