Leitor Sombra, já terás porventura ouvido falar de Bandas Filarmónicas. Há até um dia Nacional que as celebra, o dia 1 de Setembro. Com este artigo vou esclarecer algumas questões relativas a este género de grupo instrumental e desmistificar algumas coisas que nem sempre são fáceis de perceber por “leigos”.
Recuemos uns séculos na História da Música, indo aos primórdios da música e da língua, “filarmonia” vem do grego “filarmónica”, que, quando se encontra isolada, significa “harmonia”. Assim, um filarmónico é um amigo/amante da música, não obrigado a ser instrumentista profissional para ser considerado como tal. É também de especial relevância explicar que harmonia significa o arranjo de sons de uma forma agradável (consoante a cultura e a época de que estivermos a falar). Na altura do Império Grego e quando todos estes conceitos foram criados, havia ainda uma aspiração à ascensão ao Olimpo, ou pelo menos ao Parnaso. Daí a vontade de criar harmonias tão agradáveis.
Avançando na História, chegamos ao século XVI, onde em Florença e Roma vemos surgir um sem número de grupos de discussão, onde uns quantos senhores procuravam recuperar o que achavam que seriam os ideais de ouro da Grécia Antiga e outros tantos senhores abriam novos caminhos ao conhecimento e àquilo que se podia fazer musicalmente com o que já se tinha e por onde se podia evoluir. Foram muitos os nomes que passaram por estas “Academies” e que discutiram tudo o que se lhes passasse pela cabeça sobre a evolução musical. Entre todas estas discussões, sobretudo, políticas, estes senhores também trouxeram ao mundo várias coisas musicalmente importantes, entre as quais se conta a ópera.
Chegando à segunda metade do século XVIII, começam a aparecer grupos instrumentais constituídos só por sopros. Nada de novo, pois, no século XV, já apareciam os agrupamentos dos chamados instrumentos “altos”, que tinham a função de fazer música em espaços abertos graças ao volume de som que conseguiam fazer. Como seria de esperar, os eleitos para estes agrupamentos eram sempre os instrumentos das famílias dos metais e das madeiras (vulgo palhetas).
Visitando os tempos de Haydn e Mozart, algumas cortes abastadas e/ou principescas gostavam de ter este tipo de formação instrumental para as suas festas nos jardins. Assim, o termo “harmonie” passa também a significar grupo de instrumentos de sopro e os músicos dessas formações contavam-se entre os melhores do seu tempo. Felizmente, estes instrumentistas e a música que interpretavam não conheceram o racismo que a actualidade dos séculos XX e XXI trouxe. Um dos insultos mais comuns com que um instrumentista (de sopro) se depara é o vulgar “tocas à filarmónico”, sendo, assim, a sua qualidade como músico rebaixada, bem como a qualidade das existentes formações deste género. No entanto, há orquestras que lutam contra isso, pois não será à toa que têm “filarmónica” no seu nome, como são os exemplos da Orquestra Filarmónica de Berlim, a Orquestra Filarmónica de Viena e a Orquestra Filarmónica de Nova Iorque
Em suma, aquilo que o termo “filarmónico” transportava dentro de si, desde a Antiguidade até ao século XVIII, passou de algo nobre e pertencente aos espíritos mais elevados a qualquer coisa como “gente bronca bufando para dentro de tubos”.
As Diferenças entre Orquestra Sinfónica e uma Banda Filarmónica
A diferença mais importante é, sem dúvida, a constituição de ambos os conjuntos musicais. Numa Banda Filarmónica, temos duas grandes famílias de instrumentos, os sopros e a percussão, contando que a família dos sopros se subdivide em instrumentos de madeira (vulgo madeiras) e em instrumentos de metal (vulgo metais). Por sua vez, a percussão subdivide-se em peles, lâminas e acessórios.
Na Orquestra Sinfónica, temos, além destas duas grandes famílias de instrumentos, a já tão conhecida família das cordas, que inclui os violinos, as violas d’arco, os violoncelos, os contrabaixos e, ainda, as harpas. Podemos ter, também, a presença de instrumentos de teclas numa orquestra, como o piano, a celesta, o órgão e o cravo, não excluindo a hipótese de um piano, ou órgão estarem presentes, numa banda filarmónica nalguma peça que assim o exija.
Além das sonoridades diferentes, a disposição dos instrumentos no palco difere não só de agrupamento para agrupamento, como de maestro para maestro e, portanto, será mais fácil ver (e ouvir) do que explicar por palavras.
Reconhecerão certamente esta obra do filme The Godfather.
Neste vídeo, é possível ver um dos últimos concertos da Banda Filarmónica Palmelense “Loureiros”.
O que pode gerar a maior dúvida será o crescente número de Bandas Sinfónicas, que em nada diferem das Bandas Filarmónicas (assim como orquestras sinfónicas não são diferentes de orquestras filarmónicas). O que difere aqui é a qualidade do reportório que se faz em cada agrupamento, que é, pois, diferente, dadas as mais variadas diferenças e ainda a de haver música própria para cada conjunto, já que, se há compositores de música para orquestra, também os há e cada vez mais para música de banda. Para além disso, imagine-se, um conjunto de sopros e percussão não fará algo para orquestra, porque, mesmo que haja transcrição, dever-se-á ter o brio de não o fazer. O mesmo se aplica em relação às orquestras.
Por fim, a diferença entre os instrumentistas, em apenas um critério, serem ou não profissionais. A princípio são todos amadores e depois decidem seguir, ou não o caminho da música e profissionalizarem-se como instrumentistas. No entanto, há muitos instrumentistas (sobretudo, os de sopro e percussão) que voltam à Sociedade Filarmónica, onde começaram a sua vida musical (disto falaremos mais tarde). Não se compara o amor que cada um tem à música, apenas os caminhos que seguiram, o profissional e o amador. Os amadores têm na música e nas bandas e orquestras o seu hobby. Os profissionais fazem da música a sua vida – “trabalha no que gostas e não trabalharás um único dia da tua vida”.