No orvalho de um amanhecer, pele-de-galinha com as cores que tingem a cacimba.
No reflexo dos rios que invertem o mundo que calcorreamos e guardamos nos pés, onde respiramos doses inexplicáveis de deslumbramentos e onde deixamos peles antigas e passado.
Nas poças de chuva que nos fazem olhar para cima e compreender a valsa das andorinhas em voo picado e a fuga dos balões que sonham ser dragão.
No retrovisor de um carro, no vidro de um comboio, na janela de um autocarro, sabendo que estamos a caminho, que estamos no caminho.
Ao olhar para as fotografias emolduradas de quem está e de quem esteve, abraçando memórias e fantasias, sentindo-se parte dos restos de estrelas no céu.
No mar, quando o lusco-fusco cai devagar, cheio de melancolia, e aperta o nó do estômago.
Nos olhos de quem nos ajuda a alargar esse nó e nos conhece o âmago, até quando se esconde nas lágrimas que nos lavam os lábios, a língua, a carne.
Nas janelas escuras de um quarto qualquer, a observar a noite em Lisboa, Hanoi, Buenos Aires, Bata, lembrando que a Lua é a mesma, que o espanto e a dor e o medo são iguais em todas as peles.
No chão molhado da madrugada, no meio das luzes coloridas, quando dançamos por fora ou por dentro, a explodir de emoção e de nervoso miudinho.
Em braille, sem medo de tocar nas fissuras da dor, com a certeza de ser tempestade e sol e nada e tudo.
Nos copos que brindam à liberdade de sermos Universo.
Nos nossos olhos. À frente, ter o infinito, fazer o infinito, ser o infinito. Atrás, deixar tudo o que se pensou que seria impossível, tudo o que foi impossível, até que deixou de ser.