Two volunteers organize clothing and food donations indoors during daylight.

Sociedade civil

Sociedade civil é o conjunto de associações voluntárias existentes num regime político. A representação e a intermediação de interesses sociais por parte de associações voluntárias são um traço definidor das sociedades modernas.

Este conjunto é decisivo para o aprofundamento da democracia (o ideal da, ainda, maior parte dos cidadãos). Permite organizar os interesses; escrutinar as autoridades; estabelecer laços de confiança entre cidadãos e fomentar o debate público mais inclusivo, racional e deliberativo. A igualdade política permite que todos tenham oportunidade de expressar publicamente os seus interesses. Garante-se, assim, a proteção dos cidadãos que compõem as classes médias e trabalhadoras. Daí a importância de organizações sólidas de massas que representem os pobres, os excluídos e as minorias.

Apesar de só após a década de 1870 terem sido aprovadas as primeiras leis que legalizavam a existência de associações populares, especialmente os sindicatos, em finais do séc. XVIII, na Europa Ocidental (a partir da Revolução Francesa), começaram a organizar-se associações voluntárias, deixando para trás clãs, famílias, comunidades locais, fações aristocráticas, diásporas étnicas e grupos religiosos. Isto adveio de profundas mudanças como o capitalismo, a industrialização ou a urbanização. Apareceram novos grupos sociais, a burguesia e o proletariado, novas categorias profissionais e económicas. Com o Estado a exercer maior pressão para a extração de recursos das populações, intensificou-se a organização de movimentos populares.

No entanto, hoje, a situação das democracias contemporâneas é inquietante. A sociedade civil de cariz popular tem vindo a fragilizar-se, devido a tendências económicas, sociais e políticas. O envolvimento cívico reserva-se, cada vez mais, às classes médias-altas.

Segundo Gabriel Almond, Sidney Verba e Robert D. Putman, é o sistema de valores de uma população, especialmente o seu grau de confiança interpessoal, que determina os níveis de pertença associativa.

A participação cívica aumenta à medida que as associações adquirem um âmbito nacional, geralmente através da integração em estruturas confederativas. A qualidade da sociedade civil mede-se pelos laços entre diferentes grupos sociais e entre eles e os poderes públicos. O grau em que estes laços atravessam regiões, classes sociais, setores profissionais e crenças religiosas. Portugal apresenta um associativismo de base popular, profundo, igualitário e institucionalizado, ao nível político, social e cultural. Os portugueses têm uma taxa de pertença elevada. Segundo um estudo da FNAJ (dezembro de 2021), uma parte significativa das associações tem mais de 150 associados, sendo quase metade jovens entre os 18 e os 23 anos. Mais de 500 mil jovens estão envolvidos em movimentos associativos.

Talvez a explicação resida no tipo de revolução ocorrida no nosso país. A social contribui para a qualidade da democracia, por promover a consolidação e a institucionalização de organizações cívicas representantes das camadas baixas e médias de uma sociedade civil mais envolvida e robusta, com participação dos setores médios e populares, e um regime democrático mais inclusivo. Em Portugal, o caminho do autoritarismo à democracia forçou as elites a abrirem-se em relação aos excluídos e que as políticas destinadas aos pobres e aos trabalhadores — emprego, habitação e mercado laboral —, fossem mais igualitárias. Depois da revolução, aconteceram mudanças profundas, porque os grupos sociais interagiram com as elites ou de forma autónoma, desenvolvendo associações, formais e informais, num movimento sem precedentes.

Estados fortes promovem a integração de associações nas estruturas estatais, trabalhando em conjunto para oferecer serviços da esfera económica e de proteção social. Os períodos de maior crescimento associativo coincidiram com os momentos de expansão do poder do estado. Numa democracia de qualidade, a relação entre partidos políticos e sociedade civil é complementar. Interação entre estado, instituições do regime e associações. Facilita-se a oportunidade de estas se vincularem à política nacional e parlamentar e estabelecerem laços com os partidos e as elites políticas. Idealmente, os pobres, os excluídos e as grandes massas anónimas veem os seus interesses reconhecidos pelo sistema, têm expressão política, o vínculo em relação à comunidade é ampliado. Isto confere ao país um sentimento de eficácia política, confiança interpessoal e legitimidade ao regime.

A sociedade civil é uma força viva, que pulsa e se transforma. Reflete os anseios, os conflitos e as desigualdades da sua época. Hoje deparamo-nos com manifestações em defesa do meio ambiente, grupos que organizam a distribuição de alimentos, associações de bairro que lutam por melhorias urbanas. Atos que transcendem o individual e buscam o coletivo, o bem comum. Mantém-se a capacidade de unir pessoas tão diferentes em nome de causas que as transcendem.

Continuamos a encontrar desafios: o paradoxo da globalização (tanto nos conecta ao mundo como cria bolhas fragmentárias); a falta de financiamento (pensemos nas regiões mais desfavorecidas); a representatividade (terão, efetivamente, voz os grupos mais vulneráveis?) e, ainda, os regimes autoritários.

Precisamos de educar o pensamento crítico, a empatia, para que a sociedade civil continue a ser uma força ativa, criativa e inclusiva. Não estamos sozinhos. Olhar para o outro, ouvir e agir em conjunto. Talvez seja esta a expressão mais pura do que significa ser humano.

[…] Quando os cidadãos tiverem a faculdade e o hábito de se associarem para todas as coisas, associar-se-ão de tão bom grado para as pequenas como para as grandes. […] Tocqueville

Nota: Este artigo foi escrito segundo as regras do novo AO.

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Comments 3
  1. Importante conhecermos o que é a Socidade Civil. seu campo de ação é os intervenientes.👏

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