As tradições persistem em cada Natal

O Natal, tal como Miguel Torga tantas vezes o sugeriu nos seus textos literários, é muito mais do que um dia assinalado no calendário. É um estado de espírito que transcende o 25 de dezembro, que encontra sentido em cada gesto de ternura, em cada memória partilhada, em cada tradição que passa de geração em geração, como se fosse um elo eterno.

Celebrar o Natal não deveria limitar-se apenas a uma data, mas expandir-se a todos os momentos em que a família se reúne, em que o coração se abre e os laços são reforçados.

Lembro-me das palavras da minha avó Letinha, que, à mesa, entre histórias e provérbios antigos, falava do Natal como um momento contínuo. Para ela, o Natal era o sorriso da união da família enquanto estendia a toalha de linho herdada da mãe e ajudava-nos a montar o presépio – a casa enchia-se de vozes e risos.

O tempo nunca definiu o Natal na minha família, mas era algo tradicional que a família perpetuava.

As memórias de ceias passadas não são apenas reminiscências de outros tempos; são pedaços de nós, marcos de quem somos e do que queremos passar às gerações futuras.

A ceia em dezembro é, afinal, o reflexo de outros momentos de comunhão ao longo do ano, as longas conversas à mesa num serão esperado por todos, eram típicas com a partilha de histórias, momentos e aquele agradável abraço reconfortante daqueles familiares que vimos pouco durante o ano.

Assim é o Natal: um tempo para renovar laços, revisitar memórias e oferecer o que temos de mais precioso – a nossa presença, sim, é essa que vale por tudo.

Por isso, talvez seja hora de repensarmos a ideia de Natal como algo estanque, confinado ao mês de dezembro, em que valores como a generosidade, a tolerância, a partilha de um pão ou de um sorriso, são a celebração de pequenas – grandes coisas que nos fazem sentir verdadeiramente humanos.

Continuo a acreditar que as memórias familiares não têm um “prazo de validade”, o que permanece é aquilo que se planta e cultiva ao longo da nossa vida.

Lembro-me de tantos Natais como hoje, em que o espírito da união e da entrega se fazia sem nada em troca, apenas a emoção de estarmos ligados por laços sanguíneos e de amizade e não esperarmos por aquele momento mágico do ano para estarmos presentes.

Vejo esta época das luzes cintilantes, intermináveis que se acendem em cada casario e ruelas da cidade como um momento mágico deliciado por cada criança que acolhemos dentro de nós, porque viver o Natal não tem idade, não tem validade, está no espírito de cada um.

Nunca irei esquecer o arroz-doce preparado pela minha mãe com o maior cuidado e carinho para que todos na família conhecessem o sabor deste doce que era inconfundível entre os tios, primos, amigos e sempre conhecido pelo docinho da Zita.

Embora a Zita já não esteja presente fisicamente na nossa “casa”, e já não seja possível de devorar o seu arroz-doce, a sua memória perdura na minha mente e de todos da família.
A minha mãe estará sempre presente, mesmo ausente fisicamente de todos.

Sinto e vivo o Natal como uma época que nos desafia a reavaliar prioridades e a encontrar tempo para os que fazem de facto parte da nossa história.

As tradições do Natal não se resumem apenas ao dia 25 de dezembro, mas sobre todos os momentos do ano em que decidimos ser generosos, acolhedores e verdadeiramente presentes.

Quando damos espaço às emoções e colocamos o coração em cada gesto, em cada ação que fazemos, estamos a perpetuar o espírito do Natal.

Surge a hora da verdade, de sabermos ter tempo para renovação em família, criar memórias intemporais e fortalecer laços.

Em conclusão e aproveitando as palavras de Miguel Torga e a sua preferência por retratar momentos, histórias e tradições ancestrais na sua obra literária, é nas pequenas coisas e nos gestos mais simples que se constrói aquilo que perdura para sempre.

Neste Natal que cada gesto de bondade, cada sorriso partilhado e em cada abraço sincero ao longo de todo o ano, sejam o verdadeiro presente de todos.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico.

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