Todos os dias são celebrados inúmeros contratos de arrendamento (segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, foram celebrados em 2019 mais de 72 mil novos contratos de arrendamento), sendo que uma abordagem do tema figura-se imprescindível para ambas as partes do contrato, com vista a um maior conhecimento jurídico e consequente proteção dos novos arrendatários.
Nem sempre as relações entre arrendatário e senhorio são pacificas, sendo que o maior foco de desarmonia entre ambos é, possivelmente, o despejo. Face ao grande número de ações de despejo pendentes em tribunal, em 2013 surgiu a necessidade de criar um Balcão Nacional de Arrendamento (https://bna.mj.pt/), a fim de libertar um pouco os tribunais e tornar o processo mais rápido. Foi, assim, concebido o procedimento especial de despejo, que se trata de um meio processual pela qual o senhorio pode efetivar a cessação do arrendamento nos casos em que o arrendatário se recusa a sair do local arrendado, findo o prazo para o efeito.
Devido à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, aflorou a carência de proteção dos arrendatários, que poderiam ficar numa situação difícil e irreversível. Assim, para fazer face a esta crise de saúde pública, que traz consigo grandes consequências económicas e sequente diminuição da capacidade financeira, surge a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março. Com esta lei, que já sofreu algumas alterações resultantes da própria evolução da situação pandémica, foi criado um conjunto de medidas extraordinárias com o fim de apoiar as rendas em tempos de maior dificuldade para a parte que se considera mais fraca no arrendamento – o arrendatário, evitando assim que este fique numa situação de debilidade. Estas medidas extraordinárias aplicam-se a todos os arrendamentos para habitação, passando estes a estar subordinados a esta legislação, que se sobrepõe ao regime normal do arrendamento, mas que se figura temporária e excecional.
No que respeita às restrições ao exercício dos direitos extintivos, estas encontram-se no artigo 8º da referida Lei, onde ficam suspensos até ao dia 31 de dezembro de 2020 os efeitos das denúncias, revogação e oposição á renovação pelo senhorio, a caducidade dos contratos de arrendamento e a execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado. Para além disso, existe também uma suspensão da conclusão do prazo de 6 meses para entregar o local arrendado prevista no artigo 1053º do Código Civil, quando ocorre qualquer um dos casos de caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 1051º do Código Civil.
Como é possível aferir, esta suspensão não se aplica a todas as hipóteses de extinção do arrendamento, mas apenas quando essa vontade de extinção surge por parte do senhorio e nos casos de caducidade. Será, também, importante alertar que esta suspensão não se aplica aos casos de resolução do contrato por iniciativa do senhorio, contudo quando o fundamento da resolução é a falta de pagamento das rendas deveremos atender ao artigo 4º da Lei 4-C/2020 (também temporária e excecional) em que, sendo essa falta de pagamento legalmente justificada, o senhorio não pode invocar o direito de resolução com esse fundamento.
Com o artigo 6.ºA da Lei n.º 1-A/2020, ficaram suspensas durante o decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica todas as ações de despejo, bem como procedimentos especiais de despejo e processos para entrega de coisa móvel arrendada. Findo o prazo para esta suspensão, os processos seguem os seus termos, prosseguindo o despejo, se para tal houver fundamento. Sabemos que o propósito desta Lei é tutelar que o arrendatário continue a gozar do imóvel durante este tempo de crise. Contudo, também nos podemos questionar se estas medidas não serão demasiado protetoras do arrendatário e onerosas para o senhorio. A verdade é que esta suspensão não é total e automática, ou seja, não se aplica a todas e quaisquer diligências do processo ou procedimento para despejo, mas apenas à “decisão judicial final a proferir”. Interpretando esta decisão judicial em termos amplos, serão quaisquer atos do processo ou procedimento, abrangendo também aos atos dos agentes de execução suscetíveis de privar, imediatamente, o arrendatário do gozo do imóvel, e não apenas a própria decisão judicial em sentido técnico-jurídico. Mais se acrescenta que, esta suspensão só se aplica quando o arrendatário, com a respetiva decisão judicial, fica numa situação de fragilidade, por lhe faltar habitação própria ou por outra razão social impreterível, ou seja, não pode existir para o arrendatário qualquer outra alternativa viável de resolução do seu problema habitacional.
Perante esta exposição, entendemos que esta Lei é de irrefutável importância na proteção do arrendatário, que se encontre numa situação de carência económica gerada por esta crise sem precedentes, assegurando valores constitucionais invioláveis, que se reconduzem todos à própria dignidade da pessoa humana.