Quantas civilizações, tribos, etnias e culturas já andaram pela face da terra? É impossível chegar a um cálculo exacto. Quer seja por falta de alimentos, guerras, doenças, ou fenómenos naturais como os terramotos, muitas dessas culturas não sobreviveram, foram extintas e desapareceram, levando consigo para o esquecimento os seus conhecimentos e costumes.
Apesar dessa dificuldade em existir, muitos povos sobrevivem e prevalecem até aos dias de hoje. Esse é o caso dos Sentinelenses.
Os Sentinelenses vivem numa pequena ilha chamada Sentinela do Norte, território pertencente à Índia. Esta ilha faz parte do arquipélago das Andamão, no Golfo de Bengala, e tem uma superfície aproximada de 72 km2. A maior parte da ilha encontra-se coberta por florestas, está cercada por recifes de coral e carece de portos naturais. Acredita-se que os Sentinelenses tenham saído de África e que tenham chegado à ilha há uns 55 000 anos, sendo descendentes directos das primeiras populações que surgiram naquele continente. Desde então, esta tribo praticamente viveu isolada, sem quase nenhum contacto com outros povos, o que faz com que o genoma desta tribo seja um dos mais antigos do mundo.
Pouco se sabe sobre esta misteriosa tribo. Não se sabe muito sobre os seus costumes e formas de vida. Sabe-se que são caçadores e apanhadores de frutas e vegetais das florestas. Não conhecem o fogo, nem a agricultura. Fabricam leves canoas, que são utilizadas em águas pouco profundas, e não se sabe como é o dialecto que falam. Então, porque não se pesquisa mais sobre eles? Por que não se estuda esse genoma tão antigo e assim entender melhor as origens do ser humano? Por que não há equipes indo para Sentinela do Norte? A resposta é simples, a tribo não abre excepções e resiste ao contacto com qualquer pessoa do exterior, atacando quem quer que seja que se aproxime.
O pouco que se sabe desta tribo deve-se a observações feitas a partir de barcos, que tiveram de ficar longe do alcance de setas e lanças projectadas das praias da ilha, tendo sido a maioria realizadas ao longo do século XX. Segundo a Survival International, os Sentinelenses são uma das tribos mais isoladas do mundo. Visitar a ilha seria como viajar no tempo, até à época do Neolítico, mas correndo o risco de nunca mais voltar para casa, devido à hospitalidade dos seus habitantes.
Há mais de mil anos, navegantes chineses e árabes descreveram os Sentinelenses como homenzinhos pequenos, de pele escura e cabelo crespo, que atacavam qualquer um que pisasse as praias de Sentinela do Norte. Anos depois, missionários cristãos fracassaram, quanto tentavam levar a “palavra de Deus” aos seus habitantes, palavra que os nativos da ilha não entendiam e nem queriam entender. Marco Polo descreveu-os no século XIII como um “povo cruel e violento”, porém, é provável que este veneziano nunca se tenha aproximado muito da ilha e o pouco que escreveu sobre ela e sobre o seu povo talvez tenha sido feito baseando-se em rumores. Birmanos e Japoneses ocuparam as ilhas do Golfo de Bengala em diferentes épocas, mas nenhum deles conseguiu chegar muito perto dos Sentinelenses. Os ingleses tentaram levar a “civilização” para todo o arquipélago das Andamão e para todas as suas tribos, levando todas as tribos existentes a terem um destino desastroso, ao serem despojadas das suas terras, escravizadas e dizimadas por doenças. Todas as tribos, menos uma: a dos Sentinelenses, que conseguiram manter os ingleses bem longe.
Em 1967, autoridades da Índia, iniciaram um programa de contacto progressivo com os Sentinelenses, contacto este que não teve muito êxito, pois eles negavam-se a qualquer aproximação. Em 1974, uma equipa tentava filmar Man in search of Man, um documentário sobre os povos do Arquipélago das Andamão, mas o director do documentário acabou com uma seta na coxa, enquanto tentava filmar em Sentinela do Norte. Depois de todos estes contactos com pouco sucesso, a abordagem a esta tribo tem sido mais esporádica. Até as tentativas de contacto começaram a ser questionadas pelas próprias autoridades da Índia, já que começaram a perceber que era insensato tentar fazer contacto com um povo que se desenvolve sozinho há 55 000 anos e que se mantém saudável e satisfeito com a vida que leva. De tal forma, que a política governamental prevê apenas que, periodicamente, se verifique que os Sentinelenses estão bem e que ainda não pretendem ter contacto com ninguém.
Para além dos seus bravos guardiões, a ilha, pelos seus recifes e pelas suas densas florestas, não é de fácil acesso. Os recifes fazem com que a ilha seja inacessível por mar, durante dez meses do ano, e de perigosa aproximação, durante os dois meses restantes, por causa das suas perigosas marés, fazendo com que o isolamento tão desejado pela tribo seja facilitado. Também este extremo isolamento torna os Sentinelenses vulneráveis a doenças com as que nunca tiveram contacto anteriormente e contra as quais não têm imunidade nenhuma, sendo que o contacto com eles traz-lhes certamente trágicas consequências. Em 1879, uma equipa britânica chegou à ilha, onde encontrou aldeias e caminhos, mas nenhum habitante, pois estes tinham fugido para as florestas para se esconderem. Após um dia inteiro à procura, encontraram um casal de idosos e algumas crianças, que para maiores estudos foram levados à força para a “civilização”. Os idosos acabaram por adoecer e morreram, enquanto que as crianças foram levadas de volta para a ilha com alguns presentes. Não se sabe quantos Sentinelenses morreram por causa desta “experiência”, mas é bem provável que as crianças tenham transportado consigo doenças e infectando outros membros da sua tribo, com os resultados a serem certamente devastadores. No entanto, os Sentinelenses são sobreviventes e resistentes, resistindo inclusive ao tsunami de 2004, que destruiu toda a região, tendo sido fotografado um membro da tribo, enquanto disparava setas contra um helicóptero que verificava se a tribo tinha sobrevivido a esta catástrofe natural.
Não se sabe exactamente quantos Sentinelenses existem na ilha. Oficialmente, a população é de 39 pessoas, mas este número foi obtido por funcionários indianos, que fizeram a contagem através de barcos e helicópteros e usando binóculos. Porém, acredita-se que a população seja consideravelmente mais numerosa. Calcular o número exacto da tribo é uma tarefa muito importante para saber se este grupo sobreviveria ao impacto da deriva genética (tendência a serem eliminados genes de uma população), na qual a população deve estar formada por um número mínimo de indivíduos para perdurar no tempo. Acredita-se que uma população deve ser formada por 50 indivíduos para uma supervivência a curto prazo e de 500 indivíduos a longo prazo. É possível que no futuro os Sentinelenses acabem por desaparecer.
Mais recentemente, houve o caso de dois pescadores furtivos da Índia que pararam o barco para descansar perto das praias de Sentinela do Norte. Ambos acabaram por ser capturados e mortos pelos habitantes da ilha. Dias depois, um helicóptero tentou recuperar os corpos dos pescadores, mas foi recebido por uma ameaçante chuva de setas, lanças e gritos. Este trágico incidente, sem dúvida que continua a deixar clara a mensagem dos Sentinelenses: “Deixem-nos em paz”.
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