A Oeste Nada de Novo

Comprei-o pelo título e por uma referência familiar, talvez do meu pai, não sei. O autor tinha um nome divertido, muito antes de eu saber que “Maria” era mais comum na Alemanha, até como apelido ou segundo nome, do que eu imaginava: Erich Maria Remarque. Mais tarde tomei contacto com Rainer Maria Rilke ou Klaus Maria Brandauer, mas aquele primeiro Maria ficou para mim como o autor de um dos melhores livros de guerra que li.

A Oeste Nada de Novo.

A I Guerra já me havia sido apresentada noutra grande obra – O Adeus às Armas – mas a perspectiva era a da presença americana no conflito numa história romantizada. Ler o outro lado trouxe-me toda uma carga de realismo, o horror dos jovens lançados para as trincheiras como carne para canhão, e a desilusão por, a dada altura, compreenderem que lutavam sem saber para quê.

Todas as guerras são estúpidas, por mais justa que seja a posição de que um dos lados do conflito assuma. Como é estúpido o corolário dito por Eisenhower décadas depois, no rescaldo da II Guerra Teremos paz, nem que tenhamos que lutar por ela. Pode fazer sentido numa vizinhança muito localizada da História, num tempo, espaço ou contexto onde não é possível o distanciamento necessário e em que urge lutar para ganhar terreno, libertar populações, conquistar riqueza, influência, território, estabelecer trocas comerciais, ganhar parceiros… e a tudo isso chamar justiça.

A Oeste Nada de Novo é um livro anti-bélico que conta as vicissitudes do autor na frente ocidental durante a I Guerra. Acompanhamos o horror das trincheiras, dos primeiros aviões utilizados em conflitos, dos balões cativos e do gás mostarda, das explosões e dos corpos decepados, mutilados, estraçalhados na carne e nos nervos… morrer era o mal menor para aqueles rapazes idealistas que depressa perceberam, da melhor forma para aprender que é sempre a pior para sentir, que na guerra, logo se perde o idealismo e entra na barbárie.

Erich Maria Remarque.

Uma edição de bolso da Europa América (perdida para sempre num empréstimo passado, não sei a quem) agarrou-me do início ao fim. Uma leitura de supetão que me destroçou a esperança num final feliz e pôs a nu todo o absurdo belicista.

A Alemanha produziu um sem número de obras e de autores que merecem destaque. Conheço poucos. Uns já li, como o genial A Ponte de Manfred Gregor ou Tempestades de Aço de Ernst Junger, outros aguardam na estante (os livros de Hans Hellmut Kirst – A Noite dos Generais tenho-o em casa; Os Lobos está na estante do meu pai). Do que pude ler, o relato de guerra feito por quem a viveu sacode as flores com que outros se poderiam sentir tentados a adornar. Até as folhas caem, restando a secura do caule, umas vezes áspero, outras com espinhos, para retratar aquilo em que a guerra se transforma.

Resisti a ver a adaptação para televisão de 2022 da Netflix por ainda não ter visto a versão original de 1930, nos primórdios do sonoro. O filme foi um dos primeiros vencedores do Óscar de Melhor Filme e merece ser apreciado antes de qualquer remake, até para poder testemunhar quanto do que o livro me trouxe é recriado no filme. De qualquer forma, o livro será sempre este pequeno tesouro que me gravou todas estas sensações (a vantagem de escrever sem estar contaminado pela visão de nenhum realizador).

E eis que surge a frase, crua, absurda, real. O mundo do avesso e nós a lê-lo (não, felizmente, a vivê-lo) numa linha perdida na página amarelecida pelo tempo, que vale por toda a obra, capaz de traduzir na perfeição o alheamento a que as ordens para matar banalizam o valor da vida. A indiferença dos oficiais perante as vidas dos rasos, que as davam pela Pátria. A eterna dualidade entre os que mandam e os que são mandados. A frase está na capa. Podia estar no início, no meio ou no fim. Também está no texto. Atirando para o esquecimento os milhares que morreram por uma causa, mesmo que não a encontremos ao esgravatar as linhas escritas por Remarque.  

Ele morreu num dia em que a frente estava tão tranquila, que o comunicado se limitou a assinalar «Nada de Novo na Frente Ocidental»

[Este texto não está escrito segundo o novo acordo ortográfico]

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