“A noite em que o verão acabou”

Já me tinham falado da excelência da escrita de João Tordo, mas, com uma infinidade de livros em lista de espera, fui adiando a leitura. Ditou o destino que o primeiro livro do escritor a vir-me parar às mãos saísse do registo lírico a que habituou os leitores. Tive a felicidade de o adquirir numa das apresentações da obra e terei o prazer de receber João Tordo num retiro de escritores que estou a organizar e onde, certamente, teremos a oportunidade de aprender com a experiência de um dos melhores escritores portugueses da atualidade.

A noite em que o verão acabou é um thriller, ou romance policial, se preferirem, que impele as emoções mais básicas a oscilar entre extremos.

O autor conta-nos a história de Pedro Taborda, um jovem que conhece uma família norte americana – os Walsh – durante umas férias de verão no Lagoeiro, uma pequena cidade algarvia, nos anos oitenta. A paixão de Pedro por Laura Walsh, filha do milionário Noah Walsh, dá o mote para o desenrolar de uma trama que atinge o auge uma década mais tarde, e que nos mantém com a respiração suspensa ao virar de cada página.

O reencontro de Pedro e Laura acontece em Nova Iorque. Pedro, admirador do escritor americano Gary List, e decidido a tornar-se também escritor, parte rumo à terra das oportunidades. Longe de o imaginar, cedo se vê mergulhado no mistério do homicídio de Noah Walsh, pai das irmãs Laura e Levi. Levi, agora adolescente, e que Pedro havia conhecido nas férias no Lagoeiro, apresenta um comportamento atípico desde a infância e é a principal suspeita do crime.

Na tentativa de salvar a filha mais nova de Noah Walsh da acusação de homicídio, Pedro e Laura envolvem-se num enredo que desenterra os segredos, até então bem guardados, da família milionária.

As reviravoltas na ação e a riqueza das personagens criadas por João Tordo determinam a avidez com que se devora o livro.

Talvez o facto de o escritor ter vivido em Nova Iorque o tenha colocado em vantagem no que toca à abordagem de questões culturais e à descrição de ambientes distantes da nossa realidade, com uma mestria que me manteve ancorada ao livro ao longo das mais de seiscentas páginas. A passagem do autor por terras do tio Sam colocou-me perante o desafio de tentar descolar a imagem de Pedro Taborda da imagem de João Tordo, algo que não consegui fazer até ao final do livro e que, como se pretende, me levou a acreditar que parte dos acontecimentos e das personagens se baseiam em vivências reais.

Embora João Tordo tenha ousado sair da sua zona de conforto, não é possível encontrar mácula na redação desta obra: os ingredientes certos na quantidade certa, o ritmo perfeito e a uma escrita tecnicamente irrepreensível.

Não sendo leitora assídua de thrillers e tendo como melhor referência aquele que muitos consideram o mestre deste género literário, Stephen King, afirmo que o primeiro defraudou em muito as minhas expectativas, já João Tordo fez o contrário, superando-as largamente.

Resta-me ler algumas das obras anteriores do escritor para confirmar os seus atributos camaleónicos e esperar que o livro A noite em que o verão acabou seja traduzido e obtenha o devido reconhecimento. O mercado português é demasiado pequeno para alguns gigantes da escrita que por cá habitam e que merecem ir além-fronteiras.

Quanto a vocês, que me leram até aqui, desafio-vos a descobrir o final desta história surpreendente. Qual será o desfecho da trama que envolve Pedro e Laura? Quem matou, afinal, o magnata Noah Walsh?

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Adam Driver

Next Post

A Química, a atração e o exercício empático

Comments 1
  1. Bela análise sobre um livro que também foi uma surpresa para mim, e também de um autor que ainda não havia lido. Mas tenho ali mesmo “As três vidas” que está à minha espera, após um outro género que agora mesmo inicio.

    Repito: adorei a sua análise!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

Pitch Perfect

Depois de nos contagiarem com um Ritmo Perfeito, em 2014, as Bellas voltaram e desta vez com um toque…

Top Gun: Maverick

Tínhamos que ir ver este filme, ainda que levássemos connosco a ideia de enfiar um barrete pela certa. O Top Gun…

Liga da Justiça

A DC desde o lançamento dos filmes de super-heróis no cinema, que tem sofrido com o infortúnio das más críticas.…

Nada é o que parece

Criado há 25 anos, dispensa apresentações. Todos o conhecem e a indústria cinematográfica é das que mais usa as…