O filme viria a engrossar a lista restrita de quatro ou cinco obras sublimes com as quais, entre 2006 e 2013, tive a sorte de me cruzar, em casa ou no cinema. Recordo particularmente essa época porque não ia então de carro para o trabalho e uma ida ao cinema representava um esforço não desprezível para, depois de os créditos surgirem no grande ecrã (por vezes ainda antes de as luzes acenderem), arrancar a todo o vapor rumo à estação de metro mais próxima, rezar para que a composição seguinte não demorasse muito (àquela hora, era preciso vociferar Pais-Nossos bem alto para que Deus acedesse a interceder por mim junto do maquinista), e rezar mais uma vez para que, no cais do Sodré, não chegar depois da hora certa ou da meia-hora, condição para ter que esperar trinta minutos pela saída do comboio seguinte.
No dia seguinte às seis da manhã, lá berrava o despertador lembrando a estupidez de fazer noitadas cinematográficas nos cinemas da capital em dia de semana.
Hoje apenas vejo benefícios dessa altura: há prioridades e o Cinema sempre foi uma que levei a sério. Já que tinha que ir a Lisboa, ao menos que servisse para alguma coisa além de trabalhar.
Julgo ter visto A Mulher Que Canta com o Vitor no El Corte Inglez, mas não estou certo de ter tido companhia nessa noite. Certo é que discutimos o filme, isso tenho presente. Lembro-me de ter ido para casa a ruminar no que acabara de ver. O filme, de 2010, foi realizado pelo canadiano Dennis Villeneuve, então, com a carreira em ascensão. Talvez tenha chegado cá em 2011 ou mesmo 2012 e creio ter sido o Vitor quem me falou do filme. A história decorre entre o Canadá e um país não identificado no Médio Oriente, e conta o trajecto de uma mulher durante a guerra, a luta pelo amor, pelas causas, e pelo restabelecimento de uma vida do outro lado do mundo, sem que o passado alguma vez lhe tenha dado descanso.
Um dos grandes méritos do filme é a forma como a história nos é apresentada, e é muito fácil estragá-la caso contemos demais.
Na breve pesquisa para este artigo, fiquei a saber que a peça do libano-canadiano Wajdi Mouawad, Incendies, a partir da qual o filme foi adaptado, havia sido parcialmente inspirada na história verídica da libanesa Souha Fawaz Bechara. Também não vou contar a história desta mulher, embora, pelo que pude ler, uma parte importante do filme (e da peça) tenha sido ficcionada.
A par de A Caça (Dinamarca, 2012), O Segredo dos Seus Olhos (Argentina, 2009), Amor (França, 2012), As Vidas dos Outros (Alemanha, 2006) e Uma Separação (Irão, 2013), A Mulher que Canta (Canadá, 2010) é de longe um dos filmes que, pelo esforço e sorte com que o apanhei (não deve ter estado mais de duas semanas em cartaz), ilustra por que gosto de Cinema.