
O medo de enlouquecer é no fim de contas o medo de nos transformarmos noutra pessoa: «mas isso é o que está constantemente a acontecer-nos»
O que muda quando sabemos ter o prazo da vida que nos resta abreviado? E quando não o sabemos por não querermos abrir a carta com os resultados dos exames médicos mas sentimos a dor ir e vir, com intensidade crescente, rumo ao fim antevisto sem certeza? Que notas vibram na música com que sentimos o mundo perante uma suspeita cada vez mais certa?
Ter esperança é quase tão difícil como o resto. Mas estamos mais habituados a ter esperança e a ter medo do que a estar no meio daquilo que esperamos ou tememos.
Lars Westin não sabe se está a morrer mas vai morrendo lentamente com as reflexões de fim de ciclo que acompanhamos ao longo dos cadernos por ele escritos, impressões de um homem que morreu muito antes de fugir à carta anunciadora. Professor reformado, Westin dedica-se à apicultura.
Eu quis demasiado pouco. Toda a minha vida. As pessoas nunca sentiram que eu tivesse alguma coisa a «dizer-lhes». Os últimos três meses tornaram-se «real». É horrível.
Lars Gustafsson, filósofo e escritor sueco, tem neste pequeno tesouro a sua obra mais conhecida. Um texto sensível acerca da sinceridade que um homem coloca nas noções que constrói das pequenas coisas… e as descobertas que adianta naquele curto hiato entre a vida e a morte, depuradas pela circunstância da finitude, como se no final se inteirasse de que tudo tem mais cor, mais som, mais vida… excepto o passado daquela que lhe foge.
Nunca tinha compreendido que a possibilidade de nos concebermos a nós próprios como uma coisa una e ordenada, como um eu humano, depende da existência de uma probabilidade de futuro. O próprio sentido do eu assenta no facto de ele poder existir no dia seguinte também.
A Melancolia Sueca – nome de uma escultura que vi em Malmo – navega ao sabor destas palavras, suave ondulação tingindo de tristeza o mar onde um homem do seu tempo, do seu povo, do seu lugar, mergulha para se descobrir e não voltar.
Se pensar em todas as pessoas que encontrei na minha vida – professores, amigos, raparigas, relações ocasionais, velhos e fiéis companheiros, familiares – apercebo-me subitamente de que não houve uma única, nem uma única, que eu tivesse conhecido verdadeiramente.