Eleições a feijões

As eleições europeias estão à porta e são já neste domingo. Poderemos quase, com grandes certezas, fazer um prognóstico em dois pontos muito importantes. A abstenção vai ter resultados muito elevados, se não bater records, e o PS vai, tecnicamente, ganhar as eleições. Os passos seguintes são simples de se entender. O Governo vai colocar a culpa na abstenção e reconhecer a derrota como o grito de protesto do povo contra as medidas de austeridade, enquanto que o PS vai reclamar a vitória (a CDU e o BE vão arrastar-se nessa suposta vitória da esquerda também, claro), uma verdadeira vitória de um jogo a feijões.

Sejamos honestos, são poucos os que entendem as eleições europeias e que têm a noção do que realmente se está a tratar. O debate foi apagado e focado, não na Europa e nos seus problemas, assim como no papel de Portugal na construção do projecto europeu, mas sim nos problemas e nas tricas nacionais. Nas semanas de campanha, a única coisa que vi foram os cartazes do PS a dizer que esta é uma oportunidade de mudar, e eu pergunto-me sobre o que irá o país mudar após umas eleições para a Europa, e a mesma cassete da CDU nos carros alegóricos que andam pelas ruas e que irritam-me de forma igual à que me irritavam há 20 anos (o problema é que, como é sempre igual, a irritação vai em crescendo). Recebi uns panfletos no correio da coligação governamental, mas, honestamente, nem li. Até há um partido que advoga a saída do Euro e o não pagamento da dívida, algo tão ridículo e inconsequente.

Não consigo, honestamente, compreender como é que ainda se gasta dinheiro em panfletos, cartazes, gasóleo e afins em actos eleitorais e não se promove o debate sério, honesto e esclarecedor. Se calhar sou eu que estou errado, acredito que seja.

Domingo vamos ouvir, com quase toda a certeza, o discurso vencedor de António José Seguro, quando nada ganhou, pois o verdadeiro grito de revolta vai ser visto na abstenção, no voto nulo e no voto branco. Para os mais incautos, vai ficar a semente ilusória de que, em 2015, Seguro no poleiro, passo a expressão, vai acabar com os sem-abrigo, vai descer os impostos, aumentar os salários, tudo isto a custo zero para o país. Mais daqui a uns meses, iremos voltar a este assunto, porque agora são as europeias.

Se perguntarmos a um vulgar cidadão se conhece a estrutura política da União Europeia, vamos receber, provavelmente, um redondo não. Confesso que grande parte da estrutura não conheço e até recordo-me de, quando a aprendi e quando me informei, senti sempre uma grande confusão em todos aqueles organismos e formas de representação. É esta a União Europeia que vivemos, um organismo complexo, uma estrutura estranha e burocrática, elitista em muitos segmentos, que não se aproxima do povo e vive num mundo superior de regulamentação.

O problema da Europa sempre foi o mesmo, desde há milénios, uma guerra de poder por impérios, algo impossível num dos territórios do mundo mais multiculturais. A verdadeira União Europeia não pode ser económica, nem política, muito menos financeira, ou fiscal, mas sim uma união baseada no respeito mútuo e no crescimento global. Desde o início que a construção europeia falha, pois não coloca em pé de igualdade todos os países. No início dos anos 90, muitos países foram incentivados a destruir parte da sua economia, quando, na verdade, deveriam ter fomentado os seus clusters, de forma a criar uma Europa praticamente independente em todos os aspectos, incluindo o energético, o tecnológico, o ambiental, o alimentar, etc. O reflexo desta política foi uma fragilização da economia europeia, nomeadamente num plano de moeda única, o que fez com que a Europa tremesse com os abalos da Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e Itália e com os impasses políticos de alguns países do norte, como os casos do tempo de formação do governo alemão e belga. Um novo abalo poderá ser sentido no próximo ano, quando provavelmente houver um impasse na formação do governo português.

Não se pense com este discurso que sou contra a União Europeia, ou contra o Euro, muito pelo contrário. Sou total e absolutamente europeísta e defendo que a moeda única foi uma excelente solução de crescimento económico para o país. Contudo, enquanto não se aproximar o cidadão europeu das estruturas e dar-lhe voz, quem sabe até ao estilo de democracia directa, e enquanto as estruturas europeias não cortarem com as regalias dos deputados europeus, não exigirem trabalho concreto e forte sobre as populações europeias aos deputados e comissários, assim como a todos os organismos, aproximando-se da realidade dos seus povos, a Europa irá continuar a parecer-se como os impérios moribundos dos últimos dois milénios, a caírem na desgraça a cada cisão que, invariavelmente, desta forma, irá acontecer.

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