Para perceber o funcionamento de qualquer sistema político, seja ele baseado numa ditadura, numa democracia, ou em qualquer outra forma de regime, é necessário compreender a distribuição de poder e as características que diferentes formas de poder podem assumir. No caso específico de regimes democráticos, a ideia utópica de que o poder reside na sua totalidade no povo é, no mínimo, ingénua. Ainda que cada cidadão tenha o poder de jure de eleger os representantes políticos que ocuparão cargos com responsabilidades decisivas, muitos outros factores entram em jogo, quando falamos de poder.
Em primeiro lugar, será importante estabelecer o que deverá ser entendido como poder no decorrer deste artigo. Desta forma, poder pode ser visto como a capacidade detida por um indivíduo, que lhe permite concretizar o seu objectivo, sobrepondo-se a um outro indivíduo, mesmo existindo oposição do segundo. Segundo Foucault, no entanto, uma relação de poder implica sempre a ignorância do indivíduo sobre o qual esse poder é exercido, existindo uma carga necessariamente negativa na sua definição. Contudo, não devemos considerar o poder, como conceito abstracto que é, como tendo por base uma natureza inerentemente má, residindo o perigo da sua má utilização na ignorância enunciada pelo filósofo francês. Assim, é necessário alertar para a importância das relações de poder num contexto político, para assim podermos diminuir os efeitos negativos do seu desequilíbrio.
Ainda que seja quase impossível reduzir todas as concretizações práticas do poder em poucas palavras, até porque este conceito não se extingue na ciência política (nem mesmo nas ciências sociais), é pertinente analisar algumas das suas características. Por um lado, podemos ver o poder como um elemento coercivo. Nesta vertente, o poder assume a sua forma mais negativa. O poder coercivo, comum em regimes ditatoriais, pode ser exercido através de ameaças e castigos, ou através da retenção de recompensas merecidas. Levando frequentemente à insurreição dos cidadãos subjugados, este tipo de poder é, por vezes, conjugado com formas de poder referente. Esta materialização do conceito está ligada à construção de uma base de seguidores por parte de um agente carismático, capaz de motivar os indivíduos sobre os quais exerce o seu poder a seguirem os seus ideais.
O poder pode ainda advir de conhecimentos científicos específicos de uma determinada área. Por exemplo, para aplicar medidas de reforma económica, um ministro das finanças pode utilizar como argumento o apoio de instituições financeiras e profissionais da área que reconhecem os benefícios das medidas a tomar. Com a tecnocratização da política no fim do século XX, a utilização de comunidades espistémicas (grupo alargado de profissionais e académicos de uma determinada área que partilham as mesmas opiniões sobre determinado assunto) para fundamentar a introdução, ou revogação de novas políticas públicas. Este tipo de poder é bastante comum nas democracias dos países desenvolvidos, normalmente existindo em conjunto com uma forma de poder legítimo, dada aos representantes políticos, através de eleições.
A ignorância perante o poder não é, no entanto, o único problema a ter em conta. Um sentimento de impotência perante o poder estabelecido (assim como o medo de represálias) é um importante factor que contribui para o desequilíbrio de influências numa sociedade, resultando na falta de actuação e conformismo das pessoas com menos poder.
Assim, para que todos os cidadãos tenham as mesmas oportunidades, ou pelo menos para que a disparidade das mesmas diminua, e para que as relações de poder percam o seu desequilíbrio, é necessário analisar profundamente as diversas formas de poder, alertando para os seus potenciais problemas. Ainda que o poder não seja inerentemente bom ou mau, este pode ser corrompido, resultando em injustiças, que afectam a vida de todas nas pessoas numa sociedade.