Por norma, nesta crónica que escrevo habitualmente para o Repórter Sombra, escolho um ou outro tema da actualidade e faço a minha humilde análise. No entanto, esta semana decidi fazer algo diferente, até um pouco o inverso do que é habitual.
Tantas vezes, olho à minha volta e vejo um profundo espírito de frustração e tristeza nas pessoas. Nas ruas, nas lojas, um pouco por todo o lado, as pessoas vivem carregadas de frustrações nos seus corações. Lentamente, essas frustrações transformam-se em raiva, levando à dor e ao sofrimento, manifestando-se numa certa loucura colectiva, num conjunto de atitudes pouco humanas, de desespero e loucura. Todos os dias vemos tais coisas na televisão e nos jornais e ficamos profundamente chocados, sem compreender que tal só acontece porque estamos a recolher em nós as tais frustrações, que se cristalizam e bloqueiam-nos.
Vivemos tantos anos a pensar no futuro, a criar expectativas. À medida que o mundo mudava, que a economia nos trazia mais riqueza, mais possibilidades, acomodámo-nos a determinados estilos de vida, voltámos às nossas zonas de conforto, esquecemo-nos de coisas tão simples como a nossa própria humanidade. No entanto, tal pedia-nos a manutenção de um determinado poder, e poder gera ganância; ganância gera inveja; inveja gera dor. Passámos para uma visão de futuro, mas ficámos presos ao passado, pois as questões emocionais e humanas foram colocadas para debaixo do tapete. Se no coração não havia felicidade, bastava um foco num crescimento profissional, numa maior riqueza, que facilmente isso ficaria compensado. Errado.
A vida, o mundo, o Universo, funciona por ciclos. O que hoje existe, amanhã, certamente, dará lugar a um outro hoje; o que está na mó de cima, passa para a mó de baixo. As vacas gordas dão lugar às vacas magras. Os problemas começam então a surgir, a zona de conforto afectada, a realidade muda e nós somos obrigados também a mudar com ela.
A frustração, digo-o muitas vezes, é o espaço entre a realidade e a expectativa, um lugar negro e sombrio que, mal gerido pelo medo da mudança e por uma atitude egocêntrica e fechada, pode dar origem a incontáveis problemas pessoais, emocionais e psicológicos. Um a um, pessoas tornam-se comunidades, comunidades tornam-se sociedades, e um simples problema pessoal começa a manifestar-se como uma doença geral. O que vejo na nossa sociedade, mas um pouco por todo o mundo, é exactamente isso, um conjunto de hábitos instalados que se foram, um conjunto de expectativas derrubadas e uma crescente frustração a existir dentro de cada um, espalhando-se, como uma doença.
No entanto, essa mesma frustração nada mais é do que um pedido de mudança profundo, que cabe a cada um. Não acredito em vivências extremistas nem em caminhos laterais, acredito no equilíbrio que obtemos quando somos fiéis a nós mesmos e encontramos o salutar consenso entre os nossos projectos, sonhos, ideais, e as possibilidades que existem, as capacidades reais. Desse equilíbrio dissipa-se um nevoeiro, surge um caminho, e manifesta-se a conquista pessoal, humana e saudável, sem inveja nem arrogância, apenas a vontade de crescer e evoluir, de superarmos os nossos próprios desafios, acreditando que podemos ir mais longe.
Os extremos não nos permitem ver o outro lado das coisas, não nos permitem o equilíbrio e o esclarecimento necessários para a compreensão dos nossos desafios, levando-nos, antes, para novas utopias e, consecutivamente, para novas frustrações. O que vivemos, esta frustração que vejo à minha volta, é uma pressão profunda da vida para que cada um deixe de viver no extremo, na cegueira, abrindo os olhos para si mesmo, para o que o seu coração pede, para o que sente que é, acima de tudo, o seu caminho. Só dessa forma a frustração poderá, enfim, transformar-se em alegria e, assim, compreenderemos também que, só nessa vibração, poderemos mudar a nossa realidade, o mundo que nos rodeia, a sociedade, o país, o mundo.