Queremos que tudo seja perfeito, mas isso é um autêntico disparate. Temos tanto e nem nos apercebemos da nossa riqueza. Ambicionamos tantos bens materiais que não nos servem para nada e simplesmente nos mostram o nosso lado obscuro e malicioso. Faz-nos ficar invejosos, rancorosos e maldosos.
Só o simples facto de estar a teclar significa que tenho computador, o que nem todos podem dizer. Significa que tenho poder económico para o comprar e capacidade para o usar. Quer isto dizer que andei na escola, não sou analfabeta e estou a par das novas tecnologias. Quantos podemos usufruir de tudo isto? Muitos, mas ainda existem tantos que nada têm. Nem sabem o que é escrever, nem a escola e muito menos um computador.
Sinto-me cansada porque toda a gente me pede para ajudar nisto e naquilo. Estou sempre a dizer que não aguento mais, mas a verdade é outra. Significa que conheço várias pessoas, não estou sozinha e que gostam do meu trabalho. É porque o tenho, não estou desempregada. Muitos não poderão dizer o mesmo e procuram-no incessantemente sem sucesso.
Tantos impostos que temos de pagar, tantas obrigações e parece que tudo corre pelo lado torto. São queixas correntes e que nunca deixarão de existir. Ainda bem que as posso fazer e continuarei a fazer. Sabem porquê? Porque vivemos num país democrático onde há liberdade de expressão. Podemos falar e, mesmo que não sejamos ouvidos, não vamos presos nem somos perseguidos e torturados como, infelizmente, ainda acontece em muitos países.
A roupa está apertada ou não gosto da que costumo usar. Desculpas só porque engordei. Quer dizer que tenho comida e que como mais do que devia porque, simplesmente posso comprar comida e usufruir dela. Tanta gente que nem comida tem, morre à fome e nem pode não gostar da roupa pois não a tem.
Reclamamos que a casa está sempre desarrumada, que os filhos transformam os quartos em zonas de guerra, que para atravessar o corredor tropeçamos em tudo e mais alguma coisa e ainda bem que o fazemos. Temos casa, filhos, visão, audição, família e acordámos mais uma vez. Estamos vivos! Em outros lados do mundo não são tão sortudos como nós, não há quartos, casas e falta-lhes tudo. E o conceito de família é irrelevante. O valor da vida passa a ser nulo.
Para me dar ao trabalho de elaborar esta enorme lista de reclamações é porque tenho quem me oiça, quem se ria dela, quem me diga que estou parva. São os amigos, aqueles que aparecem quando são necessários e nos dão a mão quando ela faz falta. Em muitos países, zonas ou locais, este conceito é totalmente destituído de conteúdo porque as pessoas têm de lutar pela sua vida, fugir da guerra, dos atentados, da miséria. Não é uma questão de amizade, mas sim de sobrevivência.
E finalmente verifico que sou muito, mas muito rica. Tenho um bem maior que a sociedade contemporânea nos rouba constantemente: tempo. Tempo para escrever tudo isto, tempo para reflectir, tempo para partilhar, tempo para viver com calma e serenidade. E afinal para que é que queremos os bens materiais se depois não temos tempo para poder usufruir deles?