Nos corredores do supermercado, as cores, os cheiros, as formas e o design do que nos rodeia são a primeira impressão daquilo que nem sempre precisamos. Sair para comprar pão, por vezes, significa voltar para casa com mais uma mão cheia de coisa nenhuma. Um bolinho, um docinho e, porque não, uma qualquer novidade que teima em gritar “leva-me”. O marketing às vezes consegue dar-nos a volta de tal forma, que não precisamos de dar muitas voltas para gastar muito do pouco que temos.
Na hora de usar um serviço, ou comprar um produto, há uma série de factores que ajudam na escolha. Poderíamos enumerar aqui uma série de estudos favoráveis à tese de que, quanto mais temos por onde escolher, mais dificultado esse processo se torna. Investigadores americanos concluíram que, nas sociedades modernas, “o aumento do leque de opções e da riqueza foram acompanhados por uma diminuição do bem-estar”. Os cientistas que chegaram a esta conclusão (David G. Meyers, do Hope College, e Robert E. Lane, da Universidade de Yale) estiveram a avaliar o bem-estar das pessoas e garantem que à medida que a sociedade se torna mais rica e as pessoas mais livres para fazer o que querem, estas “ficam também menos felizes”. Feitas as contas, quanto mais temos por onde escolher, menor é a nossa satisfação. Estranhamente, ou talvez não, o mesmo parece acontecer, quando falamos de relações. O que procuramos nos outros? O que procuram os outros em nós? Porque nos sentimos expostos à condição de opção? Porque insistimos em procurar nos outros a perfeição?
É comum ouvir dizer que há gostos para tudo. Poder-se-ia acrescentar que também há tudo para todos os gostos, mas falta o gosto pela procura do que mais nos preenche. “A felicidade consiste em ser o que se é”, afirmava Erasmo de Rotterdam, no Elogio da Loucura. Vendo as coisas por este prisma, é fácil. Somos o que somos e ponto. Porém, a procura pelos elogios e a loucura de querermos agradar tudo e todos permitirá alcançar a consistente felicidade para todos? Será que ser o que somos, para depois sermos felizes, implica uma cansativa procura nos corredores da nossa existência? Nos dias que correm, o facilitismo e a rapidez com que conseguimos os bens materiais, tende a transformar também as pessoas em artigos sazonais. Se na música, o que toca nas rádios influencia o que ouvimos no carro, na vida, precisamos de quilómetros de vivências para ouvirmos os que nos tocam sem dar música. Nas sociedades modernas, mas também em todas as outras, está visto que apesar de haver facilitismo na aquisição de bens materiais, a relação entre seres não pode ser reduzida às cores e formas. À medida que vamos crescendo, o tempo mostra-nos que atenção, cuidado e capacidade de escuta fazem parte daquilo que nos une, ou pelo menos deveria.
Nos corredores do supermercado, como nas curvas da vida, há dias em que nos sentimos assim, numa montra, entre opções, por vezes em saldos, consoante o período do ano dos apetites dos outros. O preço está pendurado ao peito e são necessárias muitas vidas para que, em vez de opção, sejamos parte do coração de quem não procura nos outros o que não tem para dar. Às voltas, perdidos, não nos encontramos nos outros. Talvez porque estamos a procurar no sítio errado, ou porque simplesmente o que é nosso por direito não tem preço, nem está à espera de ser encontrado.