A doença da falta de saúde

No dia 17 de Maio, o editorial do Correio da Manhã reporta uma situação que ocorreu num hospital público, no Barreiro. Três pessoas foram operadas a tumores malignos que, para quem esteja mais distraído, significa cancro. A equipa prescreveu quimioterapia como tratamento complementar, o que é comum no pós operatório destas cirurgias. A quimioterapia é um processo complexo que visa combater os resquícios dos tumores e aniquilá-los totalmente. Até aqui tudo normal. Porquê fazer alarido com uma circunstância normal? O que se seguiu é que nada teve de corriqueiro e vulgar. O tratamento não chegou a ser administrado porque as prescrições médicas andaram em bolandas, nalguns casos seis meses e, assim sendo, já não faria o efeito necessário e desejado. Traduzido, para poupar dinheiro deixaram ficar os doentes sem tratamentos. Deixem-me ver se entendi. Qual é a função do hospital? Não é tratar e curar os doentes? Neste não. É poupar dinheiro. Em quatro anos houve uma poupança de 20 milhões. E o custo da vida humana pode ser medido em dinheiro? Estas pessoas podem ter perdido qualidade de vida e, mais grave, ter agravado o seu estado de saúde. Como as vão indemnizar?  Com bens materiais? Uma vida não tem valor monetário, é um valor mais alto que se levanta, não é um número, aqui multiplicado por três.

O que me estranha nesta notícia, além do macabro da situação e da leviandade dos funcionários, é que a secção de radioterapia é um serviço completamente diferente. Além de todos os funcionários serem extremamente educados, atenciosos e bem formados, a equipa técnica é duma atenção que só se costuma ver nos filmes e ler nos livros de boa vontade. São todos profissionais, correctos e acompanham os doentes, na sua cruzada diária, como se fossem da sua família. Depois de uma pessoa escapar a uma situação menos boa, encontrar estes seres humanos tão delicados e simpáticos é um bálsamo para a alma de quem, ainda enfrenta mais um desafio que nada tem de agradável. Então como é possível que duas unidades distintas, do mesmo hospital funcionem de modo tão díspar? Voltamos à eterna questão da formação, do profissionalismo e da boa vontade. Não é agradável lidar todos os dias com pessoas doentes, carecas, cheias de mazelas e queimadas dos tratamentos. Mas há quem o faça, quem o consiga e bem, muito bem. Haverá um doente de primeira qualidade e outro de segunda?

O caso não é novidade. No hospital Garcia da Orta também  há quem goste de poupar à custa da saúde dos doentes e, curiosamente, do sector oncológico. Não sei a mentalidade que está a comandar estes ” cordéis ” mas quem sobrevive a uma doença destas quer viver, não quer morrer, portanto se pensam que estes doentes querem deixar de existir estão enganados. Uma doente oncológica, após uma mastectomia foi encaminhada para a consulta e cirurgia plástica. A intenção era efectuar uma reconstrução mamária. O médico prescreveu um exame específico: um ecodoppler abdominal e a doente entregou a requisição no serviço respectivo, depois de ter passado por vários pisos. Esperou e não recebeu resposta. Passados 7 meses voltou a essa unidade hospitalar para um outro exame e indagou do andamento do já mencionado exame. Pasme-se: não estava em lado nenhum. Foram todos os serviços perscrutados, espiolhados e cuscados mas a requisição tinha desaparecido. É mau mas, infelizmente acontece. O  médico passa novo documento e é entregue no serviço respectivo. Afinal era outro, o terceiro. Ninguém se entende naquela casa.  Casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão, é certo! A doente recebe um telefonema duma funcionária,muito intrigada a perguntar,vejam bem o descaramento,  porque é que o médico tinha passado aquele exame porque não é comum para aquela cirurgia. Tudo ficou claro! Alguém entendeu que não havia necessidade daquele exame e deitou-o fora. O  médico é uma mera figura de retórica, quem manda é o/a funcionário/a,  está bem de se entender! O assunto está em averiguações mas está descoberto o culpado:  o sistema,o eterno malandro que manda em tudo.

O facto de já terem passado 7 meses e a doente ter dores no corpo, devido ao desequilíbrio provocado pela falta do órgão é irrelevante. A qualidade de vida, ou falta dela, não inquieta nem incomoda quem toma estas atitudes levianas e mesquinhas. A vida humana deixa de ser um valor a defender quando, infelizmente, o dinheiro, o pilim, o cacau ou o que lhe quiserem chamar fala mais alto.

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