A extensão Sudoeste Alentejano – Costa Vicentina é, em Portugal, um dos meus lugares eleitos. Representa boas memórias, é modelo de fotografias que me encantam e consegue sempre, nalgum recanto ainda não visto, nalgum ângulo não explorado, nalgum esplêndido dia de sol e sem vento, remeter-me ao deslumbramento inicial. Busco, talvez, nesta costa, encontrar-me num eterno retorno, alimentada pela esperança de voltar onde fui feliz.
Este ser feliz que me atrai não é produzido pela sucessão de dias quentes e previsíveis, de águas cálidas e calmas, com pouco vento e tão pouco desconforto, é antes fruto da imprevisibilidade dos dias que podem ser agrestes e podem ser gloriosos, ao ponto de nos sentirmos abençoados por um maior sortilégio que outros lugares não dão. Outros lugares dão outras coisas, a outros olhos. Os milagres vejo-os, eu, nesta costa atlântica.
Para além deste jogo de contrastes que pinta bem a dança da Natureza, há uma sensação de Liberdade e aventura. É passar Sines em direcção a Sul, que logo nos acompanha o espírito de Vasco da Gama e podemos ser descobridores de belezas inenarráveis. Uma caravana parecia-me um meio à altura da demanda prometida, pondo de lado o conforto conhecido em nome da liberdade do que está por vir, incerto, e, se a recepção não agrada, de casa às costas poderíamos zarpar para outras águas, voluntariamente sujeitos ao cansaço da busca, na expectativa das melhores surpresas.
Mas este território parece ter alinhado pela bitola que dita a estereotipação do visitante e do seu previsível comportamento, permissível e aceitável, desde que dentro dos parâmetros da normalidade. O discurso fixado pelos sucessivos sinais de trânsito PROIBIDO unificam a narrativa, uma e outra vez, fitando a normalização do rebanho que obedece ao Bom Pastor.
Porventura, fruto da pandemia que vivemos, porventura fruto de uma maior vontade de explorar novas formas de conhecer lugares, porventura uma conjugação de vários factores, as empresas relacionadas com caravanismo terão crescido demais, numa altura em que muitos negócios produziram de menos e a mensagem chega-nos clara: esse negócio pode continuar a crescer, mas não por aqui. Interesses económicos e políticos, numa promiscuidade sempre vencedora, trataram de promover uma perseguição hostil e voraz às caravanas.
Mesmo que pague Imposto Único de Circulação, tenha a inspecção feita, seguro em dia, acautele-se senhor caravanista, que pode bem não lhe ser permitido circular em muitas localidades, sem se deparar com sucessivos sinais de proibição de circulação e, óbvio, estacionamento. É assim em Almograve, Porto Covo, Vila Nova de Mil Fontes, Zambujeira do Mar, e até ao termo sul desta jangada.
Decerto, não considero que as caravanas possam aparcar em qualquer lugar ou não tenham de ser sumetidas a regras de boa convivência, mas em vez de proibirem, devem regulamentar, estabelecer limites de lotação e espaços adequados. Quem circular de caravana/autocaravana como único meio de transporte vê-se impedido de aceder a certos locais por isso mesmo, por circular de caravana. Por vezes justifica-se, muitas vezes não. Teríamos a aprender com o exemplo dos nossos vizinhos espanhóis que, em cada povoação, têm lugar destinado a caravanas, cuja dimensão e categoria, não lhes permite circular em todas as ruas e ruelas. De acordo. No país vizinho comunicam-se alternativas e limites, regras, portanto. Em Portugal, impera a proibição.
Dizem alguns locais que muitos caravanistas são porcos e selvagens, deixando os espaços marcados pela sua pouco cívica presença. Eu nunca vi, mas admito que os haja, certamente, pois que se saiba não é feito um teste de carácter aos condutores deste tipo de veículos, assim como não é aos restantes, pois mesmo sendo capazes de abrir uma janela e atirar uma fralda ou lata de refrigerante de um automóvel em andamento, são considerados encartados condutores. Olhem também para uma grande quantidade de parques de campismo – agora sedentos de caravanas – onde a separação BÁSICA de lixo (vulgo ecoponto) é diminuta e, nalguns casos, inexistente. Não me parece que a larga maioria dos caravanistas tenha pouca consciência cívica, ecológica ou pouca noção da escassez e tratamento de recursos.
Cruzámo-nos com poucas caravanas nas estradas, vimos antes extensões de plástico sustentado por estruturas que guardam o que comemos, normalizados, feitos florescer por uns indianos ou nepaleses que vivem na sombra, em condições sabidas e consentidas nessa promiscuidade mesma de políticos e empresários. Entrar aqui num debate sobre as consequências sociais e sustentáveis deste tipo de cultivo seria absurdo, mas creio que, comparando, o problema das caravanas a pernoitarem nalguma praia ficaria perto do irrelevante.
Há uma mensagem clara do Alentejo Litoral: não vos queremos aqui. E nós entendemos. Não ficámos com muita vontade de voltar.