Escrever sobre música, em particular sobre álbuns, pode também funcionar muito por impulso, ou por instinto, se preferirem. De repente, mas como em tantos outros dias, estamos na internet a navegar pelas bandas que nos suscitam interesse há anos e aparece-nos ali um registo desconhecido. Pára tudo: “o que é isto?”. Lá vamos nós ouvir o álbum todo, ver a banda no Google e ler as informações da Wikipedia. É verdade, as coisas acontecem muito por esta sequência.
Senti necessidade de explicar o processo atípico que me trouxe até este artigo e que me fez escrever sobre o primeiro álbum dos Low Roar (que se chama, também, “Low Roar”). É atípico porque começo por escrever sobre um disco de 2011, quando existe um segundo, de 2014. Não costumo fazê-lo. Normalmente, o que mais interessa ao/à leitor/a é ler um pouco sobre o mais recente trabalho de determinado/a artista. Contudo, dei-me a este pequeno luxo apenas porque foi inevitável controlar o impulso de escrever sobre o primeiro registo da banda.
Surgiu sem aviso, no computador, e absorveu-me de imediato. Não que os Low Roar sejam desconhecidos, aliás, bem longe disso. As visualizações do Youtube clarificam qualquer que seja a dúvida sobre esse aspeto. Mais do que isso, Ryan Karazija, vocalista e compositor, já antes tinha dado os ares da sua graça com Audrye Sessions, banda que formara quando ainda morava nos Estados Unidos da América. O registo era bastante diferente, mais indie e menos post rock e eletrónica, mas essa é outra conversa.
O que interessa agora é o trabalho discográfico que Karazija criou quando se mudou para a Islândia. Passou por um processo de auto-descoberta, certamente enquanto artista também, e aventurou-se num registo diferente, bem mais introspetivo e calmo. Ouvir Low Roar é ouvir muitas outras bandas, todas elas boas, mas de forma diferente. É um post-rock meio eletrónico, bem minimal e otimista, com uma vibe indie folk a que é difícil ficar indiferente. Ouve-se um pouco de Radiohead, outras vezes The Head And the Heart e, subtilmente, também há uma sonoridade constante que relembra The Pogues. Umas nuances melódicas, que sobem e descem, discretamente, como se a música não fosse construída e toda ela nascesse assim. Com naturalidade.
Há faixas que se destacam: “Just a habit” é fulcral para se entender a essência de Low Roar – e aqui falo da banda, não do álbum. Quando se ouve um primeiro disco existe uma necessidade de entender a identidade de quem fez aquelas músicas. “Just a habit” faz precisamente isso. Desmistifica a profunda introspeção que caracteriza a sonoridade da banda, mas fica no ouvido um dia inteiro e faz-nos viajar com um sorriso tímido na cara. “Patience”, por outro lado, já é mais violenta para a alma. Nesta faixa, enquanto desespera suavemente um “get out of my mind”, Ryan Karazija assemelha-se a Thom Yorke e não o deixa ficar nada mal. O mesmo acontece em “Help me”.
“Low Roar” tem, também, um bonito trabalho lírico. A escrita de Ryan Karazija é desinteressada, honesta, floreada o quanto baste e descomplicada de assimilar. “Friends make garbage (good friends take it out)”, além de ser uma faixa particularmente calma, com reverb a ecoar em toda a sua duração, prova que Karazija sabe bem o que é escrever sobre amor. No entanto, “The painter” será o grande achado do álbum em termos de escrita, com uma profunda descrição daquilo que é o processo criativo e a arte de criar: “can you blame me for not wanting both feet/ on the ground? / while you follow routine and waste your days/ I’m in the clouds/ raining down”.
A verdade é que os Low Roar fizeram um excelente trabalho neste primeiro álbum. Quem ouve fica a perceber com o que pode contar, porque é recebido, muito rapidamente, com uma envolvência quente que não desilude, faixa após faixa. Chegamos ao fim com uma sensação de preenchimento. Ficamos mais felizes, literalmente, e, para melhorar o cenário, as duas últimas canções são fortemente emotivas. “Because we have to” é de chegar às lágrimas, aliás, Karazija canta como se de uma lullaby se tratasse. Mesmo assim, a doçura do instrumental é vestida por uma letra profundamente triste, sobre aquilo que parece ser a despedida de uma relação. Por outro lado, e para terminar realmente o álbum, “Tonight, tonight, tonight” envolve de uma maneira bem diferente do que o resto do álbum. Prova, mais uma vez, a mestria do vocalista californiano em descrever sentimentos de desenlace, mas, acima de tudo, destaca-se pela batida: aquela que será a mais marcante e revigorante do álbum.