Vitória a qualquer custo?

Diariamente, quando os noticiários colocam-nos a par do que se vai passando na Guerra da Ucrânia, escutamos sobre crimes de guerra, ataques indiscriminados a civis ou áreas residenciais. Na fábrica de Azovstal, acusavam-se os resistentes de usarem os civis como escudos; comentadores alertavam para o perigo de os mercenários caírem nas mãos dos soldados russos, por não serem elementos das forças armadas ucranianas.

Em artigo anterior abordei acerca da legitimidade da guerra, mas será que existe uma ética na guerra? A guerra é conduzida por militares que procuram a conquista de objetivos políticos e, por meio da força, neutralizar o inimigo. Será que os fins justificam os meios?

Um dos motivos pelos quais as atividades de policiamento não são executadas por militares tem que ver com a diferença entre um militar e um polícia. À parte todo o idealismo à volta do que é ser soldado e das múltiplas atribuições a que são sujeitos, é a ele que o Estado incumbiu (e treinou para) o direito de matar, quer se trate de legítima defesa ou em resultado de um ataque. Um polícia tem a missão de vigiar, fazer obedecer e prender. Matar é um direito que um polícia só tem como último recurso e quando todas as estratégias dissuasoras foram esgotadas.

Apesar desta exceção de que os militares são alvo, o mesmo não significa que possam agir de qualquer modo, seja nas suas interações com outros militares, seja nas interações com civis. Podemos, portanto, afirmar que, não obstante, o direito que têm, os militares não podem matar arbitrariamente e que todos os soldados são moralmente iguais, independentemente de estarem em posições opostas no conflito.

As Convenções de Genebra, tendo a primeira sido ainda no século XIX, postula que aos soldados feridos tem que ser permitida assistência medica. As III e IV Convenções foram ainda mais longe e criaram alguns direitos para militares que depõem as armas ou não, tais como o tratamento com humanidade, nomeadamente proibindo: tortura, ofensas contra a vida, tomada de reféns, execuções sumárias (sem julgamento justo), não utilização de civis como escudos nem o ataque a estruturas civis (hospitais sinalizados). Estes são alguns dos direitos e limites da forma de atuar que os militares e civis (não afetos a ações/trabalhos militares) têm, mas os mercenários não estão abrangidos por esta Convenção.

Todos aqueles direitos têm como inspiração alguns princípios que se revelam numa ética da guerra. Um dos princípios é o da proporcionalidade. É este princípio que permite diferenciar entre massacre e um ato militar. Enquanto num massacre é usada a força desproporcional e gratuita contra um alvo com capacidade militar reduzida, uma ação militar legítima usa os meios estritamente necessários e proporcionais ao objetivo. É daqui que se depreende que as bombas atómicas lançadas sobre Nagasaki e Hiroxima pelos Estados Unidos da América, na Segunda Guerra Mundial, se pode considerar como um ato de crime de guerra, tendo em conta a desproporcionalidade da força empregue e pela iminência da rendição japonesa.

Ainda de acordo com este princípio, num cenário de contra-ataque, o mesmo não pode ser feito de qualquer modo. Tortura, violações, limpezas étnicas, forçar os prisioneiros a combater ou a sua utilização como escudos, são outros exemplos.

O princípio da discriminação é aquele que caracteriza quem pode ser atacado. Numa guerra combatem militares, portanto, são eles e as suas estruturas que podem ser atacados. Um civil ganha, num plano teórico, um estatuto de proteção e imunidade que só é perdido quando se alista ou quando colabora com atividades militares, como produção de material de guerra. Deste modo, é a essência da ação e a pertença a um exército que coloca um determinado indivíduo como alvo, mas também com o direito a usar a força; ou como alguém que não representa nenhum perigo e, por isso, um alvo ilegítimo.

Os princípios éticos da guerra são comuns a qualquer dos lados que se opõem, mas a natureza humana, em determinados momentos, age como reação ao ambiente hostil em que se encontra e não racionalmente. Isto significa que o uso da força desproporcional e no ataque indiscriminado sempre será frequente de se encontrar em qualquer um dos lados e em qualquer guerra. Contudo, só o lado derrotado será julgado por esses comportamentos, como se viu na impunidade da NATO no Kosovo.

A História é escrita pelos vencedores; e a justiça é aplicada sobre os vencidos, independentemente da (i)legitimidade com que foram atacados ou derrotados.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Situação Crítica: BD portuguesa

Next Post

Lisboa, não sejas pirosa

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

A Homofobia na Rússia

A Rússia é um país algo peculiar. O Presidente e o Primeiro-Ministro vão trocando de cargo ciclicamente. O…