Unidos pela Estupidez

Tenho escutado e lido com frequência opiniões preocupadas com o que parece ser um aumento gradual, mas intenso, da estupidez.

Compete-me esclarecer que defino estupidez como a incapacidade em absorver informação e conhecimento, incluindo factos como, simplesmente, reconhecer a própria estupidez. Já a parvoíce defino como uma estupidez, digamos, consciente.

É verdade que segundo a ciência, o Flynn Effect, um estudo de décadas que indica um crescimento permanente do QI que em alguns países chegou aos 30 pontos, está desde os finais da década de 90 a regredir ao ritmo de 0.2 pontos por ano, mas nem me parece que os mais novos sejam particularmente estúpidos. Isto para partilhar convosco que embora seja das coisas que mais abomino na criatura humana, desta vez, venho em defesa dos pobres e oprimidos estúpidos.

De acordo com tudo o que se tem estudado, e mesmo com os indicadores de QI a cair ligeiramente, não acredito que os estúpidos se estejam a multiplicar. O que me parece, e é de louvar, é que eles estão a conseguir encontrar com muito mais facilidade outros estúpidos.

A tecnologia trouxe-nos maravilhas como a possibilidade de termos no bolso das calças de ganga, todo o conhecimento de que dispomos num smartphone, um computador mais potente que todos os que a NASA tinha para levar Armstrong e companheiros à Lua.

Essa tecnologia vai-nos permitir ir em breve a Marte e mais além, ajuda-nos a descobrir maravilhas científicas diariamente, informa-nos e trabalha por nós e até já se diz que em breve não só será inteligente, como até vai ser mais inteligente que todos os humanos juntos. E acima de tudo, conectou-nos com todas as outras pessoas do mundo. Pois é precisamente aqui que reside o problema crescente dos estúpidos a unirem-se.

Até recentemente, um estúpido dizia no emprego que a terra é plana e era imediatamente alcunhado de ‘cabeça plana’ e gozado com crueldade por todos os colegas. Outro estúpido dizia que o Holocausto não aconteceu e ficava sem amigos, ou ainda outro secava o gato no micro-ondas e escondia ao mundo o resultado triste do que acreditou ser uma boa ideia. Seja como for, os estúpidos eram considerados unanimemente como uns palermas, tolerados pelos amigos, mas levados pouco a sério. Era bastante difícil para um estúpido, encontrar outro estúpido que com ele partilha-se o que quer que seja que os estúpidos partilham.

Continua a ser assim, continuamos a gozar com eles, um pouco menos porque é politicamente incorreto, como chamar alforreca a uma medusa será certamente um dia destes. Mas eles ganharam força porque nos cantos mais obscuros da internet encontraram todos os outros estúpidos do mundo, o que lhes permitiu sentirem-se empoderados como nunca até então. E isso deu-lhes ainda mais daquelas certezas próprias da estupidez.

Agora é vê-los em movimentos de terraplanistas, em grupos de teóricos da conspiração que argumentam que os aviões comerciais largam um gás que nos torna complacentes, em partidos extremistas que acham que tudo está mal e a solução é culpar alguém diferente deles pelos problemas, ou até nos quantos que acreditam que a página humorística no Instagram @birdsarentreal é ciência e que os pássaros são na realidade robôs usados para nos vigiar.

A possibilidade de se conectarem a larga escala permite-lhes comportarem-se como trolls nas redes sociais e produzir e espalhar conteúdos que consideram factuais com a mesma facilidade com que acreditam que são capazes de vencer um leão numa luta corpo a corpo. E assim a máquina de estúpidos vai-se mantendo cada vez mais viva e afinada, dentro do possível para as suas normais limitações.

No fundo, o que quero dizer com isto, é que não me parece que o número de estúpidos tenha aumentado, embora o risco destas comunidades de estúpidos educarem os seus filhos para serem uns idiotas chapados seja bem real, assim como escolhermos estúpidos para líderes, que decidam isolar os inteligentes em guetos controlados.

Termino com uma história real. Recentemente um amigo formado em engenharia física, teve a infeliz ideia de argumentar com um terraplanista. Este último terminou a conversa com um argumento imbatível, tu não lês!

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