O som pequeno do gato a mastigar a ração. Um som minúsculo, tão encolhido num canto da casa que mal tocava no silêncio. Ele, sentado no sofá, esforçou-se por ouvir o gato. De vez em quando, lançava um olhar cansado para a varanda. Ela continuava ali, a fitá-lo, os olhos tristes, a expressão grave. Ele gritava-lhe perguntas. Ela nunca lhe respondia. Não sabia o que responder. Não era assim que funcionavam as coisas.
Ele levantou-se, afastou com as mãos as teias de silêncio que o rodeavam. Em vão. Parou em frente à varanda, do lado de dentro do vidro, a olhar bem para ela. A chuva caía e molhava-a, mas ela ficava impassível. A mão dele a tocar no vidro, como se quisesse tocar nela. Mas nunca tocaria. Não era assim que funcionavam as coisas.
Ele voltou a sentar-se, as dúvidas existenciais a pesarem-lhe nos joelhos.
Como poderia ela estar ali tão longe dele, tão fora dele, e ele continuar a senti-la na pele? Como poderia ela continuar a convencê-lo a dormirem juntos? Não adiantava fechar persianas, desligar o telemóvel, trancar as memórias. Não era assim que funcionavam as coisas. A tristeza tem razões que a razão desconhece e quando decide habitar as fendas de um corpo ou de uma casa, é difícil não partilhar o dia a dia.
A tristeza ajudava-o a ouvir o som pequeno do gato a mastigar a ração. Um som pequeno que não tocava no silêncio. Só tocava no vazio que ele tinha dentro. Um som pequeno que não existia, já não existia, e agora quem se deitava no seu colo era a tristeza. O prato estava na cozinha, vazio.