De repente, o peito abriu-se-lhe. Não soube se era sinal de guerra ou de paz. Jaula, porta, armadilha.
Mas para que se abrem os peitos senão para expulsar o que já não somos?
Saiu do duche com os olhos vermelhos. Tocou no peito aberto com a ponta dos dedos. Devagar, cuidando-se para não se cortar nas fissuras nem nas lascas que se iam soltando. Olhou para o espelho embaciado. Teria de reaprender a ver-se. De reconhecer as expressões cruas. De reconstruir o corpo despido. De aceitar as cicatrizes.
Porque viver de peito escancarado é a única forma de sentir.
Sim, iria chorar ao dançar. E iria dançar até sem música. E perceberia por fim o sabor da chuva. E também o prazer do fogo. E apaixonar-se-ia pela solidão. E pelas gargalhadas dos outros. E conheceria o nome do indizível. E perderia todos os nomes e adjectivos. E seria livre. E às vezes doeria tanto como se lhe arrancassem a pele.
Mas talvez sentir seja o preço a pagar para não nos engasgarmos em nós próprios. Uma condição para respirar.
Viver de peito escancarado é a única forma de ser livre.
Revolução. Permitir-se paradoxo. Instaurar a amizade: passaria a ter jantares regulares com o seu caos. Convidaria o medo e a tristeza para beber. Junte-se quem quiser. Sentem-se, peçam vinho. Ou whisky, se preferirem. Hoje, seremos eufóricos. À nossa.
Viver de peito escancarado é a única forma de descobrir o que aprendem os pássaros feridos quando decidem voar.
O que pensas deste artigo?
