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Um Novo Tudo

Emigrar é uma decisão complexa que dificilmente vem acompanhada exclusivamente de prós. Muitos podem ser os motivos que levam alguém a deixar as suas origens e experimentar toda uma nova realidade — um novo tudo. Na grande maioria dos casos, os motivos são de cariz económico, tornando a emigração num “motivo de força maior” e não tanto numa mera aventura motivada pela curiosidade ou pelo fascínio que um determinado local possa despoletar.

É do conhecimento geral que nós portugueses somos um povo de emigrantes. Não habitamos só dentro dos limites geográficos de Portugal, mas vivemos um pouco por todo o mundo. E, aparentemente, sempre assim fora. Isto poderá levantar algumas questões, nomeadamente: o que leva tantos portugueses a emigrar? A resposta a esta questão pode ser imediata e tentadoramente simplista, no entanto não me cabe a mim dá-la — até porque eu não acredito em respostas simples para fenómenos complexos. Posso, no entanto, falar da minha experiência ainda recente de mudança de pais e, talvez, lançar alguma luz sobre este fenómeno que ainda gera um amplo espetro de opiniões e de sentimentos — quer em quem emigra, quer em quem recebe os emigrantes.

Até há uns meses atrás, nunca tinha fantasiado com a ideia de emigrar. Pelo contrário, a ideia de abandonar o meu pais e o meu contexto cultural e relacional era algo que me perturbava. Devo admitir que sempre tive receio de abandonar a minha zona de conforto e que a aventura nunca fora um termo comum no meu discurso nem no meu pensamento. Na verdade, todos os meus planos para o futuro implicavam continuar a viver e em Portugal.

O deflagrar da COVID-19 desafiou significativamente as nossas instituições, as famílias e cada pessoa individualmente. Em poucos dias, a realidade tal como a conhecíamos transformou-se radicalmente e, de repente, o presente revelava-se perigoso e o futuro incerto. As nossas rotinas sofreram alterações dramáticas bem como os nossos projetos, a forma como interagíamos com os outros, as nossas aspirações, os nossos estados mentais. Inevitavelmente eu não poderia ter passado ileso. Dei então por por mim a refletir sobre toda a minha vida, sobre tudo aquilo que até então eu fizera e tudo aquilo que ainda gostaria de fazer. Talvez este seja um aspeto positivo da calamidade: o de nos confrontar com as nossas ações e com as nossas atitudes passadas e de questionar as nossas intenções futuras.

Eu tinha um emprego fixo e no qual me sentia confortável, e que continuei a exercer mesmo durante o período de pandemia, dado o seu valor essencial para a comunidade. Como vivia com o meu pai, não tinha despesas significativas, pelo que tinha uma situação financeira também confortável. Em termos de relações, tudo era bastante confortável também. Resumindo, até então a minha vida resumiu-se a perseguir e manter um estado mental e material de conforto.

A Pandemia foi mostrando alguns sinais de abrandamento e, durante um curto período de férias, eu fui convidado a visitar a Bélgica. Isto era um desafio, sem dúvida. Não só porque eu não gostava de viajar, como também o iria fazer num período ainda crítico. No entanto, esta seria a oportunidade de efetivamente questionar até que ponto viver na minha zona de conforto era de facto viver.

Foi quando saí do aeroporto de Zaventem e iniciei a minha viagem de comboio rumo a Antuérpia que me apaixonei perdidamente pela Bélgica. O enamoramento foi despoletado primeiramente pela arquitetura típica, seguindo-se a incrível organização urbanística, a comunhão dos espaços e das pessoas com a natureza, a diversidade faunística, e o céu que, devido ao suave e baixo relevo deste pais, parece muito mais amplo e de um azul mais intenso. Dei então por mim a pensar: eu poderia recomeçar uma vida aqui. Rapidamente esta possibilidade se transformou numa certeza e num anseio quando comecei a interagir com as pessoas, a visitar outras cidades, a frequentar museus e a ir a restaurantes e bares. Este pais, nomeadamente a zona flamenga — onde passei mais tempo — exerciam sobre mim um fascínio inefável.

Quando regressei a Portugal, senti que o meu coração tinha ficado na Bélgica — quiçá a vaguear por Leuven ou Antuérpia, duas cidades drasticamente diferentes uma da outra mas ambos unicamente belas e extraordinárias. O desejo de regressar tornou-se num voto, num sonho a realizar, e isso deu-me alento e inspiração para atravessar os dias que viriam pela frente, estes ainda assombrados pelas vagas de COVID-19. Eu tinha agora um projeto, uma aspiração, uma nova oportunidade de recomeçar uma vida: eu queria ir viver para a Bélgica.

A minha primeira semana com residente na Bélgica foi, à semelhança dos meus tempos de turista, um período de romance. Tal como acontece entre pessoas apaixonadas, eu apreciava e divertia-me com todas as novidades e até com os pequenos desafios, tais como a diferença linguística, a necessidade de fazer novos amigos e de encontrar uma ocupação. No entanto, ao fim de uma semana, tudo isto tornou-se assustador e eu dei por mim a recear o futuro. O romance foi-se então convertendo em angústia e ansiedade. Também à semelhança do que acontece entre os apaixonados, a paixão é efémera e, se não houver nada mais substancial para estruturar e edificar a relação entre dois seres humanos reais e complexos, resta-lhes o silêncio e a distância (e esta no seu sentido mais amplo e completo).

No entanto, todos estes sentimentos menos bons desapareceram numa manhã soalheira quando visitei o Mercado de domingo de Heist-op-den-Berg. Este mercado consistia num conjunto de ruas entre-cruzadas onde várias pessoas expunham artigos para venda, tais como objetos em segunda mão, frutas e legumes frescos, queijos, pão e, um elemento fundamental da cultura belga, flores.

As flores foram importantes no atenuar da minha inquietude face ao futuro, elas que tão simplesmente existem, parecendo-nos tão indiferentes à sua beleza e ao espanto que nos causam, isentas de receios e de preocupações.

O calor humano, o simbolismo das flores e o facto de estar a viver num país incrivelmente belo e com costumes tão apelativos fez-me valorizar e priorizar a realidade atual e desvalorizar as incertezas em relação ao futuro. Afinal de contas, a Bélgica pela qual me apaixonara enquanto turista ainda era a mesma que agora me acolhia como residente.

Este é o meu terceiro mês a viver na Bélgica. O receio face ao futuro, o desconforto com a língua e a sensação de estranheza já não me preocupam. Abracei todas as incógnitas e toda a incerteza — afinal de contas, eu já tinha vivido muito tempo dentro de uma bolha de previsibilidade, de conforto e de quietude. Cresci e aprendi tanto nestes últimos meses. Estou orgulhoso da pessoa em que me estou a tornar e do percurso que estou a fazer. Todos os dias sinto gratidão por aqui estar e por fazer parte de uma cultura que valoriza a tranquilidade, a harmonia com a natureza, o progresso, a estética, a diversidade e, acima de tudo, que me recebeu de braços abertos.

Por que estou eu aqui? É inegável que o facto de a Bélgica ser um país economicamente próspero, seguro e com uma excelente qualidade de vida para oferecer foram fatores que influenciaram a minha decisão de imigrar. No entanto, só isso não teriam o suficiente para mover uma mente pouco resiliente, preguiçosa e assustada como fora a minha.

Eu realmente apaixonei-me pela Bélgica, pela sua beleza, pelas suas pessoas, pela sua cultura e por tudo aquilo que os meus sentidos captaram da primeira vez que a visitei. Esta paixão, como qualquer outra, deparou-se com o seu próprio desvanecimento e com a inevitável colisão com a realidade, com as minhas incertezas e com os meus medos. Isso poderia ter ditado o fim de um projeto, de um sonho, mas não foi. Bastou ter-me distraído um pouco desses sentimentos e pensamentos antigos e focar-me na realidade objetiva para vislumbrar todas as vantagens, todos os encantos e todas as possibilidades que a Bélgica me oferecia.

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