Um livro que nos veste a todos

Um livro poderá ser como uma peça de roupa: serve-nos numa altura e poderá continuar a servir-nos no futuro ou não. Uns fazem-nos chorar, outros irritam, outros desafiam-nos e outros tornam-se algo mais.

Uma das leituras que poderá servir como uma luva, de tamanho único e que veste bem toda a gente é o Comunicação Não-Violenta do Marshall B. Rosenberg.

De Detroit para o Mundo

Marshall Bertram Rosenberg era um filantropo, militante pelos direitos civis, com uma esperança inabalável no ser humano. Introduziu programas de paz em países como o Afeganistão, Bósnia, Nigéria, Palestina e muitos outros.

Cresceu num bairro turbulento de Detroit, o que lhe poderá ter dado uma visão mais ampla da forma como as pessoas interagem. Explorou “novas” formas mais pacíficas que amenizassem o clima de violência com o qual conviveu.

Licenciou-se em Psicologia Clínica, foi voluntário em abrigos, terapeuta familiar e fundou o Centro de Comunicação Não-Violenta – uma organização internacional sem fins lucrativos com uma equipa multidisciplinar composta por reclusos e guardas prisionais, profissionais de saúde, mediadores, militares, entre muitos outros.

Se existiu alguém que compreendia profundamente as entranhas do conceito de empatia em sítios da mente tão difíceis de alcançar, era ele.

Girafa ou Chacal

A metáfora é um recurso estilístico muito simpático para falar sobre temas mais difíceis – Marshall sabia disto e deu o seu melhor uso criando e distinguindo dois tipos de comunicação:

  1. A Girafa representa a comunicação empática ou contribuir do fundo do coração, compreensiva e vinda do amor. Não fosse este animal o mamífero terrestre com o maior coração do mundo, literalmente.
  2. O Chacal representa a comunicação violenta ou comunicação alienante na vida, persuasiva e vinda do sofrimento. Sendo que as características deste animal correspondem aos nossos comportamentos mais impulsivos.

É surpreendente, após a leitura deste livro, compreender que certas coisas que sempre ouvimos toda a nossa vida e fomos ensinados a pensar que vinha do “amor”, afinal vêm de outro sítio bem diferente.

Na Teoria a Prática é outra

O livro da CNV é um livro muito poderoso com uma linguagem de paz verdadeira e faz-nos restaurar a esperança na humanidade e em nós próprios. Não é, no entanto, um livro para emprestar, mas, sim, uma espécie de dicionário da comunicação para manter por perto.

Aplicar a comunicação não violenta no nosso dia a dia é uma prática constante, pois, segundo o livro, fomos educados a praticar a linguagem do chacal sem sequer nos apercebermos. Por vezes será frustrante, especialmente em situações mais intensas, conseguir colocar em prática o que lemos porque se as nossas emoções falarem mais alto a memória do que retivemos poderá falhar.

O meu desejo para todos os leitores é que não desistam de aplicar a CNV e que a partilhem com quem gostam e ainda mais com quem não simpatizam.

“Contribuindo do Fundo do Coração”

O modelo da CNV tem quatro componentes essenciais:

  1. Observações – aprendemos a separar observações de avaliações;
  2. Sentimentos – aprendemos a identificar e a exprimir sentimentos;
  3. Necessidades – aprendemos a valorizar as nossas necessidades;
  4. Pedidos – aprendemos a fazer pedidos conscientes e a não exigir.

Este pequeno grande livro, de linguagem acessível e abordagem técnica compreensível a todos, começa com estas componentes e como as aplicar. Ainda dispõe de exercícios práticos para o leitor realizar no momento, se quiser.

Um livro que é uma conversa entre cada um de nós e o seu criador

Numa humanidade cada vez mais polarizada, com poucos hábitos de leitura e falta de acompanhamento psicológico, conversar sobre temas que realmente importam ou lidar com os nossos familiares, vizinhos e pessoas que pertencem à nossa sociedade, está a tornar-se cada vez mais difícil e se não começarmos a tentar a via da Comunicação Não-Violenta, caminharemos para desentendimentos a escalas mundiais.

Queiramos ou não, não é suposto que ninguém caminhe nesta vida sozinho.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico.
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