No final de 2021, a venda de empadas de galinha, pão com chouriço, pastel de bacalhau, pizzas, hambúrgueres, batatas fritas e chocolates foi proibida nas escolas portuguesas. Pais e nutricionistas ficaram agradados com esta notícia. O grande objetivo desta medida, segundo o presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Educadores (CNIPE), é promover uma alimentação saudável, começando a escola por dar o exemplo.
Na mesma data, é publicado o estudo que mostra que 67,6% da população portuguesa tem excesso de peso ou obesidade. Este problema acarreta ainda o peso económico: “O custo direto do excesso de peso e obesidade foi estimado em cerca de 1,2 mil milhões de euros, aproximadamente 0,6% do PIB e 6% das despesas de saúde em Portugal” (pesquisa elaborada pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e pela consultora Evigrade-IQVIA). Como assim? Para aonde vai este dinheiro? Vai para o tratamento de doenças associadas à obesidade, como a diabetes, o acidente vascular cerebral, a doença cardíaca isquémica e a doença renal crónica.
O relatório Health at a Glance da OCDE 2019 indica que 67,6% da população portuguesa acima dos 15 anos tem excesso de peso ou é obesa.
Já chega de números? Em boa verdade, eles não costumam mentir. E também existe um estudo que diz que prestamos mais atenção a textos que começam com ‘foi realizado um estudo que concluiu…’.
Agora que já falamos de números ligados à obesidade, sendo que ainda não temos todas as conclusões para analisar o efeito da pandemia e confinamentos na nossa saúde, podemos falar sobre como a obesidade, e outros distúrbios alimentares, são também eles fruto de uma saúde mental fragilizada.
As perturbações alimentares correspondem a um conjunto de distúrbios que têm como denominador comum uma preocupação exagerada com o peso corporal, que gera comportamentos alimentares anómalos, com prejuízo para a saúde. Os mais famosos são a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e o transtorno da compulsão alimentar periódica.
A política portuguesa tem o assunto distúrbios (ou perturbações) alimentares em cima da mesa para discussão. A cultura pop esforça-se para quebrar a ideia de mulher perfeita, logo desde a adolescência. Corpo Perfeito (Perfect Body) é um filme que data de 1997, que conta a história de uma ginasta que tem a oportunidade de trabalhar com um dos melhores técnicos dos EUA, treinando num ambiente de pressão e exigência com o seu peso, menosprezando o estado da sua saúde. A protagonista é Amy Jo Johnson, talvez conhecida pelos nascidos nos anos 80 como Kimberly, a Power Ranger cor-de-rosa (digam-me que não sou a única a perceber esta referência).
Uma versão mais recente do tema é abordada no filme Até Aos Ossos (To The Bone, 2017), disponível na Netflix (tem como estrela a doce Lily Collins, que conta com o apoio do imutável Keanu Reeves). Creio que irá tornar-se filme de culto sobre o assunto, tamanha é a quantidade de adolescentes portugueses/as a viver no mesmo pesadelo.
Como falamos tanto do assunto e os números apresentam uma realidade a piorar? Porque os distúrbios alimentares estão ligados à saúde mental, bem como a obesidade está ligada a hábitos culturais enraizados numa sociedade que, novamente, desvaloriza estes problemas.
Mais: continuam a surgir notícias — muitas vezes em tom de confissão — de atrizes e apresentadoras de televisão que acusam esta pressão pela imagem perfeita, magra, sem rugas. Sempre que alguém — em grande maioria mulheres — assume a sua barriga mais saliente, os seus cabelos brancos, as suas marcas de celulite ou o seu peso, tona-se uma notícia viral nas redes sociais. 90% dos casos de distúrbios alimentares ocorrem no sexo feminino.
O stress, a ansiedade e a pressão social levam a comportamentos excessivos em tudo o que se refere à comida. São, por isso, perturbações de natureza emocional e física que podem colocar a vida em risco.
Proibir a venda de certos alimentos nas escolas não é a solução milagrosa que precisamos. Precisamos de mais reportagens sobre o assunto, reportagens sérias, com dados imparciais e sem música de fundo melancólica.
Precisamos de informação de como lidar com alguém que sofra de alguma destas perturbações: o que dizer, como ajudar sem pressionar, quais as entidades a quem recorrer em caso de emergência.
Não glorificando a Dove por fazer publicidade com pessoas reais, mas também precisamos de mais marcas que não estejam ligadas ao corpo perfeito, mas sim ao corpo saudável. Precisamos de dar visibilidade aos profissionais de saúde que lutam para desmistificar rotinas sem fundamento cientifico, como a dieta do sumo de limão.
Com uma carta gastronómica tão rica como a nossa, a comida não deveria ser um problema.
Já dizia Britney Spears: I’m Mrs. she’s too big now she’s too thin