As férias de verão sempre marcaram os melhores episódios da minha infância e também da adolescência – um período de paragem do ano letivo, das filas intermináveis de trânsito, da rotina diária da escola, dos trabalhos de casa, para 3 longos meses de interrupção (sim, porque, no meu tempo, as férias de verão eram quase três meses – de junho a setembro). O mês de outubro já anunciava o início de mais um ciclo de responsabilidades na escola, mas também de divertimento, para uma adolescente de 13 anos a caminho dos 14 anos, com mais maturidade e focada em objetivos futuros.
O verão de 1983 é um verão de boas memórias, pelas férias inesquecíveis que os meus saudosos pais me proporcionaram tanto à minha pessoa como à minha irmã Ana.
Este tempo ainda perdura na minha lembrança mais distante e quando me lembro de ter 13 anos, de ser uma teenager que achava que sabia tudo na vida, destemida, extrovertida e falante, mas ao mesmo tempo, rebelde quando o meu pai me dava um conselho ou uma indicação e a minha tendência era fazer precisamente o oposto. Aliás, agia da forma que achava que era a melhor sem pensar muito nas consequências. Esta teimosia ainda continuou até aos meus 18 anos para perceber que nada sabia da vida e que eram os adultos, os meus pais e família que me iriam ensinar o quanto era dura a vida e que tinha de esforçar-me para um futuro radiante.
Foi precisamente em finais de junho de 1983 que viajámos até ao sul de Espanha, na tentativa de seguirmos posteriormente para Marrocos e fazermos um pequeno tour pela região da Andaluzia, contemplando a beleza mourisca destas cidades. Começámos, assim, por Sevilha, uma cidade mágica pela beleza, mas ao mesmo tempo, cosmopolita como Lisboa, colorida nos tons quentes de verão e de temperaturas muito elevadas que sufocavam quem se atrevesse a andar na rua sob um sol quase canícula de meados de junho.
De Sevilha seguimos até Córdoba, onde ficámos dois dias. Conhecer Córdoba foi conhecer uma das mais belas e icónicas cidades de Espanha, classificada de património mundial da Unesco pelas singularidades dos monumentos e história.
A nossa viagem não ficava por aqui, ainda tínhamos um destino diferente para percorrer e foi assim que chegámos até Marrocos, Marraquexe. O primeiro impacto e impressão com o deserto, com as imensas ruas de terra batida, um ar quente de calor, esgotante, que se combinava com a poluição, para não falar no trânsito caótico e de personagens de vulto negro, olhos e boca tapados que não deixavam conhecer os rostos. Sabíamos apenas que eram vultos de homens e de mulheres.
Não me esqueço das ruas e dos bazares em Marraquexe, para não falar dos jardins interiores quase exóticos que escondiam privilégios, apenas para alguns, de ambientes requintados onde o calor não entrava, porque havia uma brisa de ar fresco, de um ar condicionado portátil ou de uma ventoinha ferrugenta, de cor verde desbotada – estávamos em 1983 em que tudo ainda era muito limitado em termos culturais.
Quando penso em Marraquexe, penso naquele tempo que não tem nada a ver com a cidade de Marraquexe dos nossos dias. Houve uma enorme evolução sociocultural, embora as questões do ambiente e da sustentabilidade ainda não sejam uma verdadeira prioridade para Marrocos. Hoje já consigo ver uma grande diferença nas mentalidades, nos comportamentos e até nos valores.
O melhor desta aventura que deixo agora para partilhar, foi a experiência que tive de enfrentar com 13 anos na altura, para não falar do facto de me ter sentido intimidada pelos rostos e comportamentos tão diferentes de um país como Marrocos e vizinho de fronteira com Espanha.
A curiosidade dos meus pais em experimentarem um passeio de camelo, deixou-me e à minha irmã, numa situação delicada, porque não queríamos andar de camelo e fomos praticamente arrastadas para esta aventura.
Subimos cada uma para os camelos contratados, receosas da atitude do camelo que não é para confiar e quando este levantou-se senti um impulso inesperado, para além do desequilíbrio da altura entre o solo e o camelo.
Finquei, assim, as pernas no camelo para sentir segurança, mas a criatura não estava nos seus dias, não queria andar, muito menos transportar-me nas costas. Resmungou e o seu dono referiu que ele não queria andar, estava cansado e queria comer umas ervas e encostar-se.
Naquela altura, lembro-me de ter pedido para sair do camelo, mas o seu guardador disse-me que tínhamos que lhe pagar mais do que estava acordado. O meu pai não gostou nada da atitude do marroquino e contrariou, exaltando-se com o mesmo.
Por sua vez, o marroquino propôs ao meu pai, vender-me bem como a minha irmã e que ele até poderia dar ao meu pai outro animal como moeda de troca nesta transação.
Ficámos num impasse, mas fomos salvos pelo momento, um nativo local serviu de mediador do problema e propôs algo ao marroquino que aceitou e, foi assim que conseguimos sair dos camelos e voltar ao solo.
Quando regressei a Marrocos pela segunda vez em 2003, lembrei-me sempre desta experiência com peripécias à mistura, mas serviu-me de lição, falo por mim que estava a ver a minha vida dificultada, incerta e talvez a viver entre os camelos…
Não era para mim garantidamente, muito menos viver com o pó diário do asfalto no rosto, os mosquitos ensurdecedores a rondar, na expectativa de sugarem tudo o que a nossa pele possa oferecer.
Não era mesmo para mim, mas este verão mágico foi tudo, mesmo tudo até problemático.