I think that it’s nice that we share the samek sky.
– Sophie
Este filme conta a história de Sophie (Frankie Corio) que recorda as férias passadas com o seu pai Calum (Paul Mescal) há 20 anos, enquanto tenta combinar o pai que conheceu com o homem que desconhecia nessa época.
Um fantástico e brilhante filme que consegue combinar um sentimento de calma e paz com um sentimento de incerteza e vulnerabilidade constante.
O filme começa com uma mulher a dançar em alternância com imagens um pouco distorcidas, tudo isto fará sentido no final do filme. O filme é depois uma composição de uma ótima dinâmica de dois atores, ótima banda sonora e fantástica cinematografia, com uma sistemática referência à água e aos seus sons mais detalhados.
Para quem gostou de filmes como “Call Me By Your Name”, vai adorar “Aftersun”. Os cenários quase paradisíacos misturados com o pormenor de cada som trazem um sentimento de realismo e “falsa paz” que assenta que nem uma luva no filme.
Charlotte Wells, realizadora do filme, está de parabéns pela sua estreia numa longa metragem.
Os dois atores principais têm uma dinâmica muito única e Paul Mescal é devastador no melhor dos sentidos na sua interpretação de Calum.
O final é brilhante, arrebatador e algo sufocante mas falarei com mais detalhe abaixo sobre esse brilhantismo. Para mim, é a grande obra-prima de 2022 e que com o tempo ganhará certamente mais seguidores.
* CUIDADO COM SPOILERS *
“Aftersun” é um daqueles filmes que é muito difícil falar, avaliar e elogiar de forma coesa sem entrar em spoilers. Por isso, vamos agora à “melhor parte”. A história é toda contada da perspetiva de Sophie que é, no tempo presente, a mulher que vemos a dançar na parte inicial do filme. Tudo parece meio “turvo” nesta cena de dança e com um motivo.
Existem vários momentos que mostram que Sophie já conhece muito bem tudo o que o pai diz e faz (cenas como este descer as escadas na hesitação se ela fica bem e ela dizer que está bem sem sequer ver que ele desceu as escadas e outras em que completa as frases do pai). Isto mostra que Calum não é um pai ausente, longe disso e por isso fica a questão “Porque está Sophie a contar-nos a história destas férias, afinal?”.
Temos muitas cenas em que Calum fala com a filha sobre o futuro e como esta ainda tem a sua vida toda pela frente (apesar de terem uma idade até bastante próxima como representado por pessoas que pensam que os dois são irmãos). Calum parece ter também muitas lembranças negativas sobre o seu passado e de como ninguém lhe dava a atenção que este precisava. Para além de tudo isto existe uma constante tentativa de Calum de gravar tudo e mais alguma coisa, e embora isto possa parecer só uma “mania” no fim parece querer dizer muito mais.
Ficamos gradualmente a assistir a alguns comportamentos mais “arriscados” de Calum que roçam o depressivo e ao longo do filme isto vai ficando cada vez mais aparente.
Uma cena em especial quando Sophie canta “Losing My Religion” dos R.E.M. parece servir perfeitamente como um relato da relação que esta tem com o pai.
Embora o final possa ser considerado ambíguo, a minha interpretação é que logo depois das férias dos dois, Calum matou-se, cumprindo o que já ameaçava em vários comportamentos suicidas que foi tendo de forma mais ao menos disfarçada durante todo o filme. O final do filme com Sophie no presente a dançar no escuro e a ver o seu pai (com a mesma idade das férias) representa a mente de Sophie, como tudo está distorcido e de como ela queria entender porque o pai fez o que fez. Tudo isto é perfeitamente montado com a música “Under Pressure” em que mais uma vez a letra encaixa na perfeição na temática de toda a história.
Todos os momentos de gravação parecem quase que uma garantia de que Sophie terá sempre as imagens e lembranças daquelas férias consigo e que mesmo depois do pai partir vai continuar “com ela”.
É um filme que tem tanto de trágico como de genial e belo. Brilhante.