Um dia olhei-me no espelho

Um dia olhei o espelho e não entendi se observava alguém, ou se estava apenas a ser observada.

Fiquei-me… e tentei perceber se havia relevância nesta dúvida, não sei se reconhecia a pessoa refletida no espelho, seria importante que reconhecesse? Honestamente, não sei!

Porventura poderia até nem ser um espelho e ser apenas uma janela, por onde alguém espreitava, e coincidentemente, eu também passava em simultâneo no mesmo local.

Seria isso? Nem sei bem. Estanquei junto ao espelho, sem pressa do tempo que se esvai por entre cada segundo que já não volta, e se dissipa nas nossas memórias, deixei-me apenas ficar.

Fiquei simplesmente ali, a tentar perceber se observava ou se estaria a ser observada. Afinal esta é uma das bitolas da vida, ou observamos ou somos notados, raras vezes conseguimos passar por entre os outros, como ilustres desconhecidos, ou sem nos fazer notar.

Há sempre alguém que “nos tira as medidas” como se costuma dizer, alguém mais atento na fila do autocarro, ou no supermercado, na rua, ou em qualquer outro lugar, que sem nenhum motivo aparente, repara em nós.

Mas voltemos ao espelho. Aquele que me prendeu a atenção, e por momentos me reteve apenas para si e me dispersou em assuntos que nada relevam para a humanidade, nem para a minha vida.

O espelho é aquele fiel amigo por quem passamos pelo menos uma vez por dia, seguramente muitas mais, acabando por nem perceber que o fazemos.

No entanto, de manhã é fatal como o destino que nos cruzemos com ele, a minha questão é outra, reparamos de facto na imagem que se reflete no espelho quando estamos em frente a ele?

Respondo por mim, muito honestamente, às vezes sim, outras nem por isso, a maior parte das vezes não. Passar em frente ao espelho é um ato tão inerente às nossas rotinas diárias, que acabamos por fazê-lo instintivamente, sem o perceber, de modo quase inconsciente.

Por isso, não percebi quem era a pessoa com quem me cruzei há pouco no espelho, seria eu?

Muito provavelmente, até porque na minha frente não havia janelas. Refletia-se naquele espelho a minha imagem para o mundo, aquele reflexo era apenas o que cada um dos que se cruzam comigo veem. Mas seria verdadeiramente eu?

A imagem que agora me prendia a atenção é a que todos conhecem, mas que a mim pouco me diz, porque sinto ser muito mais do que esta imagem, e este ser mais que refiro não é o meu egocentrismo a falar, é mesmo ter a clara certeza de que somos muito mais do que apenas o que refletimos para os outros.

E é nestes aspetos que sinto ser mais do que apenas uma imagem, um reflexo na sociedade, sem desvalorizar o aspeto visual, sabemos bem a relevância cada vez maior que este aspeto tem na sociedade, mas somos de facto muito mais do que imagem.

Somos sobretudo o que fazemos a quem e quando precisam de nós, sem termos que o divulgar, fazer sem que se publicite, afinal o homem vale muito mais pelas suas ações e atitudes do que pelo que pelo seu discurso ou aspeto.

Somos uma sociedade de aparências que precisa de aprender a viver mais e melhor os seus valores, a integridade e a generosidade humana, que estão em cada um de nós, mas que, em alguns mais do que noutros, ainda precisam de ser lapidados.

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