Melhor educação? Menos professores

Não, este não é mais um texto onde os professores são o alvo de críticas ou onde se poderá ler que o problema da educação presentemente deve-se ao desinteresse dos alunos ou dos pais na educação dos filhos. Não será mais um texto que criticará a chamada geração digital e a falta de preparação que lhe querem fazer crer. O problema está na forma como os professores, ocupados com tarefas burocráticas, não têm tempo de serem verdadeiros mestres e pelo caráter instrumental da educação.

Quando estive na escola tive a sorte de ter tido mais mestres e dos que professores. Não se trata de um jogo de palavras ou significados. Tive mestres porque, mais do que tempos de aulas para preencher, pude partilhar momentos que iam para além das matérias a serem ensinadas. Recordo-me de analisar poemas de intervenção nos intervalos com a minha professora de Língua Portuguesa; recordo-me da oferta do Memorial do Convento pela minha professora de História quando acabei o secundário e ia ingressar na universidade ou,  ainda, da partilha de um livro de partituras com exercícios para piano, por parte do meu professor de História ou ainda, por parte deste mesmo professor, do constante incentivo para escrever.

Uma das definições de mestre é: “indivíduo que serve de guia ou conselheiro”, mas também, “que se carateriza por ser raro; excecional”. Mestre no ensino é a capacidade de criar tamanha transformação nos alunos, que estes se tornam discípulos. Pessoas formadas por uma linha de pensamento e ação que os acompanhará por toda a vida como exemplo.

Na escola pública que frequentei, o objetivo não era estar em lugares proeminentes nos rankings nacionais, mas criar cidadãos, criar pessoas conscientes da realidade em que estão inseridos e a serem úteis para a sociedade. Pessoas que procuram viver sob os mais altos princípios do humanismo e Iluminismo, onde ninguém fica para trás. Ou seja, o objetivo passava por desenvolver individualmente cada um na sua totalidade.

Tive mestres que me “empurraram” para fora do conforto ao me dizerem que não tinha maturidade suficiente para ler determinados livros (e em parte reconheço que foi verdade), e com isso lancei-me a ler tudo o que podia para conseguir entender e mostrar ao meu professor de filosofia que estava redondamente enganado. E hoje, como ele sabiamente explicava, estou convencido de que somos apenas aprendizes nesta vida.

A grande diferença entre o mestre e o professor é que o mestre cria uma escola de pensamento e ação que carregamos connosco onde quer que estejamos. Em poucas palavras: é na relação entre aluno e professor a base da educação e não em planos pedagógicos, que apesar de serem importantes não são o expoente da escola ou no caráter instrumental da educação para criar trabalhadores.

O problema da educação começa com os alicerces. Em qualquer época histórica, podemos ver que as ideias predominantes são as que prevalecem, também, nos conteúdos a ensinar, revelando que a educação nunca é um elemento neutro, mas é influenciada pela ideologia dominante. No período industrial é inaugurada uma época em que os valores humanistas são preteridos pela capacidade técnica e pelo conhecimento das ciências, por forma a dominar a natureza e conseguir obter mais recursos de forma eficiente. A educação de hoje não tem em conta o indivíduo em si e a sua capacidade de desenvolvimento pessoal como a definição de educação designa, mas a sua capacidade para ser um produtor no sistema económico.

Enquanto a educação for instrumental para a preparação de produtores económicos e não de cidadãos, sempre o professor se tornará num técnico burocrático sem tempo para ser aquilo que devia ser: mestre.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
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