Estes últimos dias ganharam protagonismo por um conjunto de notícias que envolvem jovens que foram maltratados, maltrataram e até um que acabou morto. Podemos chamar-lhe bullying, ou o que quer que queiramos, mas a realidade é que, de uma vez por todas, precisamos de deixar de classificar e verdadeiramente compreender e actuar, assumindo as nossas próprias responsabilidades sobre a nossa sociedade e modificando o que precisa de ser modificado.
Quando olho para o desenrolar do caso do miúdo do Ídolos, ou do miúdo agredido por 8 miúdas, vejo como ainda somos umas crianças no que concerne à Internet e às redes sociais. Ávidos de vermos justiça nos outros, até porque nos achamos profundamente injustiçados pela vida, partilhamos os vídeos nas redes sociais de forma a, supostamente, consciencializar a sociedade, como se o vídeo de um miúdo a levar estaladas consciencializasse seja quem for. Sem nos apercebermos, enxovalhamos uns e outros e rapidamente fazemos julgamentos sobre tudo, sem conhecimento de nada. Partimos de pressupostos sobre as famílias dos envolvidos, achamo-nos suprassumos da razão, da moral e dos bons costumes, à boa maneira portuguesa. Muitos, acredito, enquanto estão a escrever os seus comentários no Facebook, têm de mandar o filho calar-se e ir brincar, alegando que estão a fazer algo importante. Contudo, na realidade, o filho só queria brincar com a mãe ou com o pai, só queria um pouco de atenção, um pouco de carinho e de amor.
Mais importante do que julgar, apontar o dedo e condenar, algo que é muito fácil de se fazer, temos de nos debruçar sobre como chegámos até este ponto. Isto não significa que estes mesmos jovens não devam ser responsabilizados perante os seus actos, nomeadamente perante a justiça. Não significa também que a SIC não seja responsabilizada por uma atitude estúpida e discriminatória, como aliás é muito clássica do programa Ídolos, que acha que enxovalhar é engraçado e traz audiências. Há muitos anos que vivemos esta filosofia do mandar abaixo, do gozar, em prol duma competição ridícula e desmesurada, que nos coloca muito próximos do homem das cavernas e muito longe do século XXI.
É tempo de falar abertamente e colocar as responsabilidades nos sítios certos. Tudo o que uma criança ou um adolescente traz para a sua vida, que vai construí-lo como adulto, é reflexo da sua personalidade, sim, mas também de como cresceu, do que vive em casa, do amor ou da falta que teve dele, da individualização crescente, da competição que é fomentada todos os dias. Somos egoístas enquanto pais e temo-nos esquecido do que é essa tão maravilhosa função. Preocupamo-nos mais em dar condições materiais e esquecemo-nos daquilo que também nos construiu (ou desconstruiu), enquanto pessoas, esquecemo-nos do que nos fazia felizes, quando éramos crianças.
A chave, aqui, é exactamente esta, a da felicidade. Vivemos uma sociedade triste, infeliz e revoltada. Transportamos isso para os nossos filhos, para os nossos alunos, para os nossos clientes, todos os dias. Se perguntarmos às pessoas o que as faz infelizes, umas mais, outras menos, invariavelmente, vamos tocar no assunto dinheiro, no materialismo e nas posses. Dizem que o dinheiro não traz felicidade, mas a realidade é que, ao olharmos para o que as pessoas à nossa volta nos transmitem, a coisa que mais lhes traz felicidade é esse mesmo dinheiro. Com isso, o que passamos aos nossos miúdos é precisamente essa mesma mentalidade, que, de forma diferente, é processada em manipulação, em necessidade de superioridade, em falta de respeito pelo próximo, em falta de solidariedade e de companheirismo.
Não é preciso voltar atrás, às condições do tempo dos nossos avós, para terminarmos com estes problemas, ou modificarmos a nossa sociedade. Contudo, é preciso, urgentemente, repensarmos alguns conceitos simples, debatê-los e, acima de tudo, rever as nossas prioridades, debater menos o estado económico e financeiro da nação, mas sim o estado real e social da nação. É preciso rever aquilo que tantas vezes tenho escrito: afinal, o que é que faz de nós humanos?