– E foi aí que lhe disse que ela não sabia o que era o amor.
– Que te respondeu ela?
– Não me deu grande resposta que me lembre. Não deve ter ligado grande coisa ao que lhe disse. Também, quando não se sabe o que é, o que se vai dizer?
– Deve ter sido exatamente o contrário.
– Não percebi.
– Deve ter deixado escapar um esgar de sorriso e sentido pena de ti. Deixou-te estar.
– Pena? Que raio dizes?
– Talvez hoje te tivesse dado ela a resposta.
– Porque o faria?
– Por me parecer que, hoje, por certo a entenderias.
– Que crês que ela me diria, neste instante, se lhe falasse de amor?
– Exatamente o mesmo que pensou no dia em que lhe disseste essa descabida frase.
– Descabida?
– Sim, que mais seria!
– Que me dirias tu se te dissesse que não sabes o que é o amor?
– Descobrirás que o amor, quando o é, auto-alimenta-se. Que o amor, quando o é, está numa bolha intocável, noutro sítio do mundo, para lá do óbvio. Não depende de retorno. O amor existe, só por si, sem que se esteja perto. A paixão… bem… a paixão é coisa de pele, carece de alimento, presença. É aquela coisa da chama que não se pode deixar de olhar. A paixão é fogo de se estar, o amor sobrevive ao não se estar. O amor, quando o é, não se arranca de maneira alguma, mesmo que se o queira. O amor guarda-se, arruma-se, mas se é amor… amor fica. E fica por dentro, em todo o lugar que pises no mundo. De que te ris?
– Não me espantaria se tivesse guardado essa resposta para não me a dar. Não a acreditaria.
– Hoje, era a conversa outra.
– Evidentemente.
– Já devia ela saber de amor o suficiente para saber senti-lo sem que amarre.
– Confundiste-me.
– Se te morre a paixão e não te morre o amor, que farás tu?
– Reacendo-a?
– Fosse a vida um apaga, acende e sopra. Apaga, acende e sopra. Não o é. Quando o amor amarra, o melhor a fazê-lo é libertá-lo, deixá-lo ir. O amor, quando o é, não há morte, deixa-se ir. Já ela conhecia de cor a impossibilidade de matar o amor. Pouco podes com quem está habituado a guardar amor. Não te deu, por isso, grande resposta. Saberia que chegaria o dia em que descobririas que o amor existe apenas, e no lado de dentro. Que podemos convencer o mundo da sua inexistência, que pouco importará se o sabes vivo.
– Hoje, sei. Só não sei porque não se escolhe ficar ao lado do amor.
– Porque, em vezes, estar ao lado amarra e o amor quer-se livre. Quem tem o amor dentro, se se deixar ficar por senti-lo, tem a sua vida à mercê dos amados. A vida é tanto mais que se em torno não nos fizer sorrir, que se o carregue dali para fora.
– Colecionou amores, portanto.
– Não se deixou à mercê da sua capacidade de amar. Primeiramente liberdade, que a vida é para agarrar. Quando não existe conexão, quando os tempos se afastam, o amor amarra. E este quer-se livre. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
– Continuo sem perceber alguma dessa lógica.
– Faltou-te o óbvio. Ter-lhe perguntado o que era para ela o amor.
– O que teria isso mudado?
– As palavras são só isso, o significado é o nosso. Disseste-lhe que não sabia o que era o amor, mas ainda hoje tu não sabes como ela o vê.