Às vezes, sem te dares conta, tudo mudou. Deste o teu melhor, fizeste o que era o correcto para todos, deste o que tinhas e até te esqueceste de ti para que o que se queria fosse possível. De repente, sem qualquer tipo de aviso, o vento mudou e as pessoas em quem tinhas a máxima confiança tornam-se uns estranhos. Sentes que atravessaste um portal do tempo, mas o que aconteceu é fácil de explicar.
Enquanto tiveste utilidade e carregaste o trabalho pesado, os sorrisos eram muitos só que nunca foram sinceros. Depois da obra concluída, retiram-te os louros e ignoram-te. Fazem de conta que nunca aconteceu. Usaram-te até à exaustão e sugaram todo o néctar que havia para levar. Foram vampiros de emoções e nada mais. Pior, até te insultam como se não tivesse sido o teu labor que ajudou a levantar o edifício feito.
A festa de pau de bandeira já não conta com a tua presença, mas somente com os que tiveram a coragem e o desplante de se aproveitarem de ti. Desses, os que usurpam tudo, há muitos. São uma raça que se tem multiplicado com facilidade. Querem tapar o sol com a peneira, mas tal não é possível. Tu até desejavas que fossem mais longe, que todos chegassem ao topo da tão desejada montanha, mas a viagem é agora feita sem qualidade nem luxos. Quando não se sabe onde são as casas mata, qualquer apeadeiro serve.
Contudo, tu segues a rota planeada. Não vacilas. Se o fizeste uma vez, podes fazer mais outra e outra, as vezes que forem precisas. Tu sabes como é e o valor é teu. Isso não te conseguem roubar. Tu consegues e não és covarde nem intriguista. Gostas da verdade e essa é apenas uma. Pode levar o seu tempo, afinal o que é esse espaço de memórias que poucos conhecem, mas o sol brilhará no local adequado.
O coração pode encolher-se de tamanha desilusão, contudo, tu és bem mais forte de quem te traiu. A traição é uma garra que pode ferir quem a pratica, o tal gume que se enrola e entra na carne de quem desconhece o que são simples princípios ou meros indícios de dignidade. Quando se tem uma alma de papel amarrotado, uns pingos de chuva, por fracos que sejam, mostram o cotão que fazia de capa de sorriso. Desfaz-se como se nunca tivesse existido.
Por mais que fiques com raiva, uma raiva só tua por seres quem se empenha para que tudo seja o melhor e até te esqueces que os sugadores de fibra alheia estão em todo o lado, de nada te serve. Respira fundo e baixa os ombros. Vai. Segue. O dia continua a nascer e o sol não faz distinção. A escolha é toda tua. Larga o peso que não tem serventia e abre as tuas asas.
Deixa as gaivotas voar até onde quiserem. Elas não dão confiança a quem não a merece. Não gritam, não ameaçam, não fazem bruxarias nem acreditam em deuses de pés de barro. São apenas gaivotas e voam. As asas são naturais e precisas. Sabem para onde vão e quem são. Não são de se travestir com peles de seres que nunca poderão usufruir. O carácter é forte e determinado. O amor tem várias versões e esta não é uma delas.