Thor: Ragnarok

Thor: Ragnarok” é a prova de que a Marvel começa, gradualmente, a dar espaço para que novas visões possam ter controlo de um dos seus franchises que tanto necessitava de ser revigorado.

Thor”, em 2011, foi uma tragédia shakesperiana, mais conhecida por nos apresentar Loki como o principal antagonista e explicar-nos quem, na realidade, era Thor. “Thor: The Dark World” permitiu-nos testemunhar um crime: a forma como utilizaram Christopher Eccleston no papel do maléfico Malekith. Onde Thor sempre conseguiu brilhar mais foi em pequenos momentos em filmes como “The Avengers” e “Avengers: Age of Ultron”, onde Chris Hemsworth conseguia lançar 10 one-liners fantásticas e divertidas de forma magistral. Ou seja, o que sempre nos atraiu nesta personagem foi o actor principal e, infelizmente, não tanto o mundo em que ele existia.

Ragnarok” muda tudo por completo. É um caderno de notas repleto de sonhos de adolescentes, uma fantasia cheia de cor que nos ensina como um filme de super-heróis poderia ser. Temos monstros e belas mulheres, um exército de zombies e um lobo gigante, uma bruxa má e o Jeff Goldblum, mas este não é um filme excêntrico só porque sim. “Ragnarok” é fruto da confiança na realização e de uma clara compreensão do que este franchise poderia ter sido sempre.

Só foi necessário usar uma das mais populares histórias dos comics do Hulk (Planet Hulk) para fazer de “Thor: Ragnarok” o melhor filme sobre esta personagem até agora. Contudo, numa história que se foca tanto no Ragnarok – o fim de Asgard, uma narrativa secundária, desenvolvida longe desse evento e inspirada numa história de outro herói, não deveria ser a melhor parte do filme, pois não?

Este filme consegue ser tão alucinante como os filmes dos Guardiões da Galáxia e explora deliberadamente uma estética muito próxima das óperas espaciais dos anos 80. O que acaba por criar uma viagem divertida e, por vezes, hilariante e um filme que é tão vibrante como os antigos comics da Marvel que Jack Kirby criou. Paralelamente, o filme também representa o desejo crescente que a MCU tem de gozar com as suas próprias criações, mesmo que isso custe a credibilidade dos seus personagens e do universo que demorou anos a estabelecer.

O actor principal, Chris Hemsworth, parece estar a divertir-se mais neste filme do que em qualquer outro filme da Marvel em que tenha entrado, mas, quando chegamos ao fim de “Thor: Ragnarok”, ficamos com a nítida sensação de que o arco narrativo de Thor na MCU foi o mais inconsistente de todos – desde um drama shakesperiano lite até a esta odisseia no espaço. Quem é afinal Thor, ao fim destes anos e de tantos filmes? E o que é que era realmente importante para ele neste filme? O risco de destruição de Asgard não aparenta ser algo que o mova genuinamente em termos emocionais e, por essa razão, não é criado uma narrativa interessante para acompanharmos ao longo do filme. Por exemplo, existiram várias oportunidades de explorarmos a relação entre Thor e Hela, mas a história está sempre a fugir desse tópico para poder seguir para o próximo desenvolvimento do filme ou para a próxima piada.

É evidente que “Thor: Ragnarok” não está tão investido em Asgard como está em Sakaar, apesar do título que o filme tem. Juntar uma versão mais simples de Plante Hulk com a história de Ragnarok – uma das sagas mais importantes na história do Thor – foi sempre uma escolha bizarra e um balanço desafiador tanto para a Marvel, como para o realizador Taika Waititi. No fim, a essência do filme (e a nossa atenção) pertence a Sakaar, com o filme a transitar por vezes para Asgarde, de forma a poder avançar com a história principal.

Os cenários coloridos, os seus cidadãos que consideram a vida algo que se pode vender e o único e insubstituível Jeff Goldblum, no papel de Grandmaster, são todos pontos altos da acção desenvolvida em Sakaar. Porém, por muito divertidos que esses elementos sejam, as verdadeiras estrelas de Sakaar são Hulk e a Valquíria.

O gigante verde, neste filme, está mais divertido do que alguma vez foi anteriormente, alternando entre um tom de criança com birra e o de monstro furioso que tanto gostamos. Thor e Hulk têm uma grande química, tal como Thor e Bruce Banner (Mark Ruffalo) têm, quando se encontram. Aliás, o filme torna-se bastante divertido sempre que Thor e Hulk partilham o ecrã, quer seja em confronto, quer seja a conversarem.

No que toca aos efeitos especiais, Hulk nunca esteve tão bem representado. As nuances nas suas expressões faciais, mesmo nos momentos mais calmos em quefala com Thor, são tão detalhados que conseguimos ver a essência de Mark Ruffalo no monstro. Os poderes de Thor também permitem fazer uns efeitos bastante interessantes: “Ragnarok” é o primeiro filme da Marvel a aceitar por completo a ideia de que Thor é o deus do trovão. A personagem pode estar muito associada ao seu martelo Mjolnir, mas é o poder de convocar trovões que permitem deixar os fãs da personagem satisfeitos.

Tessa Thompson demonstrou ser uma escolha de casting inspirada. Ela interpreta Valquíria como uma cínica que gosta de beber e que virou as costas ao seu passado como uma asgardiana. Tal como um soldado que é obrigado a olhar para aquilo que outrora foi, a sua transformação de mercenária egoísta em aliada de Thor faz dela o Han Solo em “Thor: Ragnarok”.

No que toca ao resto do elenco, Tom Hiddleston volta facilmente a vestir a pele de Loki, depois de ter aparecido pela última vez em 2013, em Thor: The Dark World. Como sempre, é rei e senhor em todas as cenas em que entra, mas até a história deste filme reconhece que a personagem não teve qualquer evolução desde que apareceu. Como já teve o tradicional percurso de trair e alcançar a sua rendenção, não há muito que possa ser acrescentado. Por isso, é usado como punchline, fazendo com que seja alvo de afrontas e de dor só para porque sim.

O poderoso Idris Elba parece ter perdido o encanto de interpretar Heimdall, uma personagem nobre que, infelizmente, tem de carregar o peso da viagem heroica em Asgard, enquanto que o deus do trovão vive uma aventura com o Hulk. E tal como havia sido revelado nos créditos finais de Doctor Strange, Benedict Cumberbatch faz uma aparição com o seu Mestre das Artes Místicas. No entanto, por mais que adore o actor, tenho a sensação que mais umas semanas e não me irei lembrar que ele teve um papel neste filme.

Se existe um elemento mais fraco no elenco é Cate Blanchett e a sua Hela. Apesar de bem caracterizada, é unidimensional e é eclipsada por outra nova personagem de “Ragnarok”, Valquíria. As cenas com Hela, apesar de essenciais para avançar com a história, parecem ser uma distração desnecessária, deixado-nos, qual Mjolnir, desejosos para voltar para o pé de Thor.

Entretanto, por muito agradável que seja rirmo-nos das personagens, em determinados momentos o filme parece ser demasiado leve. Algumas cenas emotivas, como a morte de três personagens importantes, são despachadas rapidamente, num filme que não se encontra preparado para lidar com estas questões. Porém, quando num único filme se consegue colocar demónios de fogo, zombies, um lobo gigante, um dragão, uma deusa da morte e o Feiticeiro Supremo, estas questões acabam por se tornar secundárias.

Para além da sua preferência por Sakaar em detrimento de Asgard, este é outro problema que tenho com “Thor: Ragnarok”. O filme tenta desenvolver demasiados elementos em pouco tempo, tratando cada um com tanta leveza que os momentos importantes acabam por perder a sua força. Quando grandes momentos ocorrem (e existem alguns), acabam por não ter qualquer peso na história.

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